Amiga do Papa Francisco foi apelidada de “bruxa má” após adivinhar que ele seria pontífice
A argentina Clelia Luro de Podestá de 87 anos, foi casada com o ex-bispo da cidade de Avellaneda, Jerónimo Podestá. Em Buenos Aires, o casal conheceu Jorge Bergoglio. Quando Clelia ficou viúva, em 2000, Bergoglio lhe deu muito apoio e os dois se tornaram amigos. Em 2005 ela disse ao então cardeal que ele seria papa. Hoje, o pontífice a chama de "bruxa má" e liga a cada 15 dias para a amiga.
Em 1960 me separei do meu primeiro marido. Vivia em Salta, em um engenho de açúcar, onde ele trabalhava, e voltei para Buenos Aires com minhas cinco filhas e a sexta na barriga.
Para me sustentar, trabalhava numa companhia de poupança e empréstimo de casas e veículos.
Em 1966, um padre amigo de Salta, que era alcoólatra, me escreveu pedindo que eu achasse o bispo de Avellaneda para ajudá-lo.
Foi assim que conheci Jerónimo. Ele conseguiu trazer o padre para se tratar em Buenos Aires. Ficamos próximos e me tornei secretária privada dele.
Jerónimo fazia sermão com a "Populorum Progressio", a encíclica revolucionária de Paulo 6º (1897-1978), e estávamos aqui com a ditadura militar de Juan Carlos Onganía. Como Jerónimo tinha muita força, muito carisma, os militares não gostavam.
Eles pediram a Roma que o tirassem de Avellaneda, e o Vaticano pediu a Jerónimo que me mandasse embora.
Eu era uma mulher muito linda, agora não sou mais. Tinha 38 anos, era livre, já havia enfrentado a vida com o divórcio. Ele disse não à minha renúncia e o Vaticano o tirou de Avellaneda no fim de 1967.
Para nós, no começo era impossível ser um casal. Não pensávamos nisso. Mas, quando o Vaticano lhe deu uma punição e impediu que ele exercesse publicamente o ministério, decidimos nos casar.
Eu engravidei de um menino, mas recebi uma notícia ruim e tive um aborto aos 4 meses.
Em 1974 fomos para o exílio no Peru. Foi um período difícil. Jerónimo tinha uma herança do pai, o que nos ajudou no começo. E toda vez que eu vinha visitar minhas filhas em Buenos Aires trazia cerâmicas peruanas para vender e deixava dinheiro com elas.
Voltamos em 1980. Em 1984, fomos a Roma na primeira reunião da confederação internacional dos sacerdotes casados. Naquela época, de 400 mil padres, uns cem mil eram casados.
Quando retornamos, criamos a federação latino-americana. O que nós queremos é que Roma olhe pra gente. Não somos contra o celibato, mas queremos que seja facultativo.
Jerónimo era um homem lindo, de coração doce. Era profeta, patriota, lutava pelos direitos humanos. Era fora de série. Não há nenhum outro igual, acho que só Jesus. Se tivesse que viver tudo novamente, eu colocaria os pés nos mesmos lugares.
Os padres aqui não entendiam nada, não falavam com a gente. E ainda não entendem, porque julgam sem entender. O pior é que muitos deles têm mulheres escondidas.
Aí conhecemos [Jorge Mario] Bergoglio [que se tornaria papa Francisco]. Jerónimo me disse que queria conhecê-lo. Perguntei para quê, já que nenhum padre queria recebê-lo. Ele falou que Bergoglio era inteligente e saberia escutá-lo.
Os dois ficaram contentes de terem se conhecido. Quando Jerónimo estava no hospital, antes de morrer Bergoglio lhe deu a unção dos enfermos.
Para mim, Bergoglio foi um bom interlocutor quando eu estava mal com a ausência de Jerónimo. Ele me ligava todos os domingos, me dava forças. Foi meu amigo. Agora, ele me liga de Roma a cada 15 dias.
Eu dizia para Bergoglio que ele seria papa. E ele falava que não queria. Em 2005, quando ele foi ao conclave e voltou, eu disse: você escapou, mas na próxima não vai poder. E ele se tornou papa e me chama de "bruxa má".
Tenho certeza de que ele vai mudar muitas coisas, já está mudando. Está fazendo muita coisa em Roma, com sua postura de pobreza, com a questão do banco [do Vaticano], da Cúria romana.(Folha de S. Paulo)