FESTA DA EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ – 14 DE SETEMBRO
Por vós a cruz sagrada é honrada e adorada em toda a terra. Assim São Cirilo de Alexandria saudou a Nossa Senhora, um dia depois de proclamado o dogma da Maternidade Divina em Éfeso.
Assim, não é senão com grande sabedoria e providência que a festa da Santa Cruz fora enquadrada com três festas da Santíssima Virgem: a festa do Nascimento da Santíssima Virgem Maria e sua antiga oitava, a festa do Santo Nome de Maria e, logo após, a festa de Nossa Senhora Das Dores.
A Cruz é o estandarte das milícias de Deus, das quais Maria é Rainha, é pela Cruz que ela esmaga a cabeça do maldito, e alcança contra o erro e os inimigos do nome cristão tantas vitórias.
A Cruz, que outrora era um objeto de humilhação e vergonha e se ofereceu como um leito de dores a nosso Salvador sobre o qual Ele entregou seu espírito, tornou-se um troféu de vitória, a única esperança, após ter o Salvador vencido por ela a morte e o mundo e subjugado os poderes do inferno e do hades. Ela não mais é mais um fardo de lenho, figurada pela lenha que Isaac levava para seu próprio sacrifício, sobre os ombros do Salvador, ela é agora a serpente de bronze para a qual devemos voltar os nossos olhares se quisermos ser salvos das picadas da infernal serpente. Eis que ela virá gloriosa aos olhos de todos, precedendo o Cristo Juiz, para assistir a sentença favorável daqueles que sobre o mundo a amaram a exemplo do Cristo, e a reprovação daqueles que renunciaram às suas obras.
Esta festa da exaltação do Santo Madeiro, instrumento adorável da nossa salvação, nos traz à memória centenas de eventos cercados de fatos milagrosos contados pelas tradições da Igreja, tendo como centro e objeto o mesmo lenho sagrado. Três destes são de grande e singular importância.
O primeiro, estando ainda o Santo Lenho, junto com as demais insígnias da Paixão, encerrados ainda no seio da terra, impiamente trancados por templos de deuses falsos, Constantino marchando contra as tropas de Maxêncio, às vésperas da batalha viu, conta-se, sobre o sol do entardecer o sinal de uma Cruz gloriosa com as iniciais do Salvador. Não era ainda o sinal que precederia o ultimo julgamento, mas o sinal de consolidação do império do Cristo, banhado nos primeiros séculos no sangue de tantos mártires. In Hoc Vince! Que seja vencedor por este sinal! E o lábaro sagrado já passava na frente das fileiras dos exércitos e, sob o mesmo estandarte com que o Salvador venceu as potestades inferiores, Constantino obtém sobre Maxêncio esta famosa vitória e abre para sempre ao Cristo as portas da cidade eterna.
O segundo evento de notável importância seguiu este primeiro ainda no mesmo século. A Igreja Grega canta na sua santa liturgia a alegria deste dois fatos tão intimamente unidos: “Ave, ó cruz, formidável aos inimigos, estrado da Igreja, força dos príncipes; salve teu triunfo! A terra escondia ainda o madeiro sagrado, e ele se mostrava nos céus, anunciando a vitória, e um imperador, tornado cristão, a arrancava das entranhas da terra.”
Santa Helena, mãe do Imperador, advertida por um sonho, foi à Jerusalém procurar as insígnias da Paixão de Nosso Senhor. Estando na cidade, mandou despedaçar uma estátua de Vênus, que os ímpios gentios colocaram onde a cruz fora plantada a fim de abolir toda a lembrança da Paixão do Salvador. Depois de limpado o local, onde se encontraria a Cruz, de todas as abominações pagãs, depois de furar profundamente, encontraram-se três cruzes e o título que faria reconhecer a do Salvador estava à parte. O Bispo Macário de Jerusalém, após ter dirigidos fervorosas orações para Deus, pediu que tocasse com as cruzes uma mulher gravemente doente. As duas primeiras não tiveram nenhum efeito, a terceira cruz depois de tocada reestabeleceu subitamente a saúde à enferma.
Uma parte da Cruz, Santa Helena a encerrou num belíssimo relicário de prata e pedras preciosas e o depôs na Igreja que mandara construir sobre o Monte Calvário. A segunda metade do Lenho assim como os pregos que prenderam o Corpo de Cristo ao mesmo, levou consigo para Roma, colocando-os em seu palácio, a atual Basílica de Santa Cruz de Jerusalém. Constantino pouco depois promulgou uma lei que proibia que um condenado padecesse o suplício da Cruz, colocando entre o que havia de mais glorioso e digno de respeito um objeto que até então foi sinal de desprezos e opróbrios, marcando com ela a derrota dos ídolos e o triunfo da verdadeira religião.
O terceiro evento e não certamente o último dos que narram as glórias da Cruz de Cristo, ao qual faz memória principalmente a festa de hoje, foi o glorioso retorno da parte da Cruz à Jerusalém após ter sido roubada pelos Persas, durante o saque da Terra Santa. Assim nos narra a piedosa legenda.
No fim do império de Foca, Cósroas, rei dos persas, tendo ocupado o Egito e a África, tomara também Jerusalém, onde massacrara milhares de cristão. A Cruz do Senhor, a qual Santa Helena colocara sobre o Calvário foi levada para a Pérsia.
Heráclio, no entanto sucessor de Foca, afetado pelas calamidades e incômodos de muitas guerras, pedia a paz sem a poder obter, visto as duras condições impostas por Cósroas, inflado de muitas vitórias. Por isto, entregando-se assiduamente ao jejum e à oração, voltava-se para Deus, implorando seu socorro neste perigo extremo. Recebendo então um sinal do céu de reunir suas tropas; Heráclio as conduz ao campo de batalha e derrota três generais de Cósroas com seus respectivos exércitos.
Abatido por estas derrotas, fugindo em direção ao Tigre que ele se apressa a atravessar, Cósroas designa como sócio, em seu reino, seu filho Médarses. Mas Síroes, filho mais velho, furioso por causa desta injúria, arma ciladas tanto para seu pai como para seu irmão, os alcança em suas fugas e os mata pouco depois. Feito isto, ele conseguiu ser reconhecido rei por Heráclio, cumprindo certas cláusulas, das quais a primeira seria a restituição da Cruz do Senhor. Quatorze anos depois que ela caira nas mãos dos Persas, a Cruz foi então reconquistada. Heráclio, vindo a Jerusalém, a trouxe com grande pompa sobre seus próprios ombros, até a montanha onde o próprio Salvador a tinha transportado.
Nesta ocasião, aconteceu um grande milagre bem digno de memória. Heráclio, coberto como estava de ornamentos de ouro e pedrarias, não pôde passar a porta que conduzia até o Calvário. Quanto mais seus esforços para avançar eram grandes, tanto mais se sentia impedido de continuar e parecia retido no mesmo lugar. Vendo isto, o bispo de Jerusalém, Zacarias, tomando a palavra, disse: “Considerai, Imperador, que esta ornamentação de triunfo, portando a Cruz, não lembra talvez a pobreza e a humildade de Jesus Cristo”. Heráclio então, se despojando de suas vestimentas luxuosas, e com os pés descalços, vestido como um homem do povo, fez sem dificuldade o restante do caminho e recolocou a Cruz no Calvário, no mesmo lugar d’onde os Persas a tinham retirado. A festa da Exaltação da Santa Cruz, que se celebra todos os anos neste dia, recebeu um novo brilho, para relembrar que a Santa Cruz foi reestabelecida por Heráclio no local onde primeiro a portara o Salvador.
Com tanta razão se digna cantar a Igreja universal as glórias da nossa salvação louvando imagem sagrada do Lenho da Cruz:
“Salve Santa Cruz, glória do mundo e esperança verdadeira, fonte de nossa alegria, sinal da salvação, proteção nos perigos, árvore de vida que porta aquele que é a vida do mundo. Alegra-te e exulta Igreja de Deus; pois três vezes beata tu adoras hoje o madeiro da Santíssima Cruz, em volta do qual os coros de anjos assistem assiduamente como ministros no serviço de seus louvores”.