O testamento espiritual de Bento XVI
O papa emérito Bento XVI fez um alerta para que todos os fiéis “permaneçam firmes na fé”, em seu testamento espiritual no livro “Nada além da verdade”, escrito pelo seu secretário pessoal, Georg Ganswein.
“Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! Jesus Cristo é verdadeiramente o caminho, a verdade e a vida – e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é verdadeiramente o Seu corpo”, diz a mensagem.
O testamento foi escrito por Joseph Ratzinger no verão de 2006 e nunca foi mudado. É um documento pequeno, escrito em alemão, com pouco mais de quatro mil caracteres e que tem o objetivo de ser um testemunho de fé no qual ele agradece e cita pessoas queridas e a “sua Baviera”.
Leia na íntegra o Testamento Espiritual do Papa Bento XVI:
Nesta hora derradeira de minha vida, quando olho para as décadas por que passei, vejo antes de mais nada quanto tenho a agradecer. Agradeço em primeiro lugar a Deus, fonte de toda boa dádiva, que me deu a vida e me guiou por momentos de confusão, que sempre me levantou quando eu começava a vacilar e me devolveu tantas vezes a luz de sua face. Em retrospectiva, vejo e compreendo que até mesmo os trechos escuros e difíceis desse caminho serviram à minha salvação e que foi precisamente aí que Ele mais me guiou.
Agradeço a meus pais, que me deram a vida numa época difícil, e que, à custa de grandes sacrifícios, me proporcionaram um lar maravilhoso com o seu amor, que ilumina como luzeiro todos os meus dias até hoje. A fé clarividente de meu pai ensinou-nos a crer ainda meninos, e manteve-se firme como guia em meio a todas as minhas conquistas científicas; a piedade sincera e a grande bondade de minha mãe são um legado que nunca lhe poderei agradecer o bastante. Minha irmã tem-me servido há décadas, abnegada e afetuosa; meu irmão, com a clarividência de seus juízos, com sua poderosa determinação e com a serenidade de seu coração, soube sempre me aplainar o caminho; sem este constante preceder-me e acompanhar-me, eu não seria capaz de achar o caminho certo.
Agradeço a Deus do fundo do coração os muitos amigos, homens e mulheres, que Ele sempre pôs ao meu lado; os colegas de trabalho em todas as etapas de meu caminho; os professores e alunos que me deu. Com gratidão, confio-os todos à sua bondade. E quero agradecer ao Senhor por minha bela pátria nos Pré-Alpes bávaros, na qual sempre vi brilhar o esplendor do próprio Criador. Agradeço ao povo de minha terra natal por ter-me permitido experimentar inumeráveis vezes a beleza da fé. Rezo para que o nosso país continue a ser um país de fé, e peço-vos, caros compatriotas, que não vos deixeis afastar da fé. E, por fim, agradeço a Deus por toda a beleza que pude experimentar nas várias etapas de minha peregrinação, mas especialmente em Roma e na Itália, que têm sido minha segunda pátria.
A todos aqueles a quem de alguma forma prejudiquei, peço perdão de todo o coração.
O que disse antes a meus compatriotas, digo-o agora a todos quantos na Igreja foram confiados ao meu serviço: — Permanecei firmes na fé! Não vos deixeis confundir! A ciência — tanto as ciências naturais como a investigação histórica (especialmente a exegese bíblica) — dá muitas vezes a impressão de oferecer soluções irrefutáveis contra a fé católica.
Testemunhei ao longo de muito tempo as transformações da ciência natural, e pude comprovar como aparentes certezas contra a fé se esvaíram, provando não ser ciência, mas apenas interpretações filosóficas com aparência científica; e como, por outro lado, é em diálogo com as ciências naturais que a fé tem aprendido a compreender melhor os limites do alcance de suas afirmações e, portanto, o que ela realmente é.
Há já sessenta anos que acompanho o caminho da Teologia, especialmente o dos estudos bíblicos, e tenho visto, no suceder das gerações, teses aparentemente inabaláveis desmoronarem-se, revelando-se meras hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher etc.), a geração existencialista (Bultmann etc.), a geração marxista. Vi e vejo como, do emaranhado de hipóteses, a razoabilidade da fé ressurgiu e está ressurgindo de novo. Jesus Cristo é verdadeiramente o Caminho, a Verdade e a Vida; e a Igreja, com todas as suas insuficiências, é verdadeiramente o seu Corpo.
Enfim, peço-vos humildemente que rezeis por mim, para que o Senhor, apesar de todos os meus pecados e deficiências, acolha-me às moradas eternas. A quantos me foram confiados, minhas sinceras orações dia após dia.
Benedictus PP XVI