Os gravíssimos erros do Sedevacantismo
Sedevacantismo é uma tese defendida por alguns católicos que afirmam que a Sé de Pedro está vacante, ou seja, que a Igreja está sem papa, e isto desde a morte do Papa Pio XII em 1958.
Para embasar essa teoria, eles alegam que os reclamantes ao papado a partir de 1958 (com João XXIII) não foram eleitos validamente por serem hereges manifestos ou caíram do pontificado após a eleição pelo mesmo motivo.
Há sérios problemas nessa posição quais iremos expor de forma objetiva.
Assim diz o Papa Pio XI na encíclica Mortalium Animos, parágrafo 16: “ A única Igreja de Cristo é visível para todos, e permanecerá, segundo a vontade de Seu Autor, exatamente como Ele a instituiu.
Assim, por exemplo, muitíssimos destes negam a necessidade da Igreja de Cristo ser visível e perceptível, pelo menos na medida em que deva aparecer como um corpo único de fiéis, concordes em uma só doutrina, sob um só magistério e um só regime. (…)
Entretanto, Cristo Senhor instituiu a sua Igreja como uma sociedade perfeita de natureza externa e perceptível pelos sentidos, a qual, nos tempos futuros, prosseguiria a obra da reparação do gênero humano pela regência de uma só cabeça (Mt 16, 18 se.; Lc 22, 32; Jo 21, 15-17), pelo magistério de uma voz viva (Mc 16, 15) (…)
Esta Igreja, fundada de modo tão admirável, ao Lhe serem retirados o seu Fundador e os Apóstolos que por primeiro a propagaram, em razão da morte deles, não poderia cessar de existir e ser extinta, uma vez que Ela era aquela a quem, sem nenhuma discriminação quanto a lugares e a tempos, fora dado o preceito de conduzir todos os homens à salvação eterna: “Ide, pois, ensinai a todos os povos” (Mt 28, 19).
Acaso faltaria à Igreja algo quanto à virtude e eficácia no cumprimento perene desse múnus, quando o próprio Cristo solenemente prometeu estar sempre presente a ela: “Eis que Eu estou convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos?” ( Mt 28, 20).
Deste modo, não pode ocorrer que a Igreja de Cristo não exista hoje e em todo o tempo, e também que Ela não exista como inteiramente a mesma que existiu à época dos Apóstolos. A não ser que desejemos afirmar que: Cristo Senhor ou não cumpriu o que propôs ou que errou ao afirmar que as portas do inferno jamais prevaleceriam contra Ela (Mt 16,18) ”.[1]
Portanto a Igreja Católica permanecerá do mesmo modo como Cristo a instituiu, que foi sobre o Papado e o colégio episcopal.
O Concílio Vaticano I ensina: “ Se, portanto, alguém negar ser de direito divino e por instituição do próprio Cristo que S. Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice é o sucessor de S. Pedro no mesmo primado – seja excomungado ”.[2]
Sucessão significa “ ato ou efeito de suceder, de vir depois. Sequência de pessoas, de eventos, de circunstâncias que ocorrem sem pausas ou com pequeno intervalo ”.[3]
Nestes 2.000 anos de história a Igreja sempre teve papas. Os interregenos, que são os períodos da morte de um papa à eleição de um novo, foram sempre curtos, e por isso a Igreja ensina que São Pedro teria sucessores perpétuos.
Portanto, não é correto o argumento dos sedevacantistas quando afirmam que os interregenos papais provam que é possível a Igreja ficar mais de meio século sem um Papa. Até mesmo no cisma do ocidente que ocorreu entre o século XIV ao XV, em que chegou ao ponto de haver 3 reclamantes ao papado, a Igreja não deixou de ter um Papa. Os verdadeiros papas que encontravam-se em Roma naquela altura (enquanto os antipapas encontravam-se em Avinhão e Pisa) continuaram sucedendo São Pedro, estes foram Urbano VI, Bonifácio IX, Inocêncio VII, Gregório XII e por fim Martinho V.
A Igreja nunca ficou longos períodos sem papa, e nem poderia ficar pois é dogma de fé que São Pedro terá sucessores perpétuos.
O Concílio Vaticano I elencou essa verdade de forma brilhante quando afirmou o que se segue: “Ora, o que, no bem-aventurado Apóstolo Pedro, o príncipe dos pastores e o grande pastor das ovelhas, o Senhor Jesus Cristo, instituiu para a salvação eterna e o bem perene da Igreja, deve pela autoridade do mesmo constantemente continuar na Igreja, que, fundada sobre o rochedo, permanecerá inabalável até ao fim dos séculos. Decerto, “ninguém duvida, pois é um fato notório em todos os séculos, que o santo e beatíssimo Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, recebeu de nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano as chaves do reino; e ele, até agora e sempre, em seus sucessores”, os bispos da santa Sé de Roma, por ele fundada e consagrada com seu sangue, “vive” e preside e “exerce o juízo’”.[ibidem 2]
O ofício papal instituído em São Pedro continua constantemente na Igreja, para o bem próprio da Igreja e salvação das almas. O Concílio Vaticano I afirma que o ofício papal permanece na Igreja “até agora e sempre“, portanto, é falso dizer que a Igreja pode ficar sem um Pastor Supremo, ou seja, sem um Papa durante períodos longuíssimos.
Segundo o sedevacantismo, esses ensinos do Vaticano I não afirmam que São Pedro terá sempre um sucessor na cátedra, pois que o ofício papal sempre existirá, independente da existência de um Papa que seja investido dele.
Entretanto, não há como existir ofício papal sem um Papa, tanto é que, nos interregnos, que são justamente os períodos em que a Igreja fica sem um Papa por causa da morte deste até a eleição do próximo, a Igreja fica em um estado de sede-vacante, sem um Papa na Santa Sé, ou seja, sem que o ofício papal seja exercido. Como São Pedro poderia ter sucessores perpétuos no primado da Igreja se este primado simplesmente deixa de existir por quase um século? Nesse caso ele não teria sucessores perpétuos, mas sim, esporádicos, e quando se leva em conta o significado da palavra sucessor, vemos que o Vaticano I afirma que São Pedro terá sucessores na cátedra em sequência proporcional exigida por este ofício, que é um ofício vitalício, ou seja, o Papa permanece Papa até a sua morte, aliás, até mesmo em caso de renúncia, sempre haverá o tempo proporcional para realizar-se o conclave, que elegerá o próximo sucessor de São Pedro para reger a Igreja.
Também é ensinamento da Santa Igreja que na terra não há poder superior ao do Papa, evidenciando que, pelo fato de nenhum poder terreno estar acima dele, ninguém pode julgá-lo.
Papa Bonifácio VIII, Bula Unam Sanctam, 18 de Novembro de 1302: “ O poder espiritual deve superar em dignidade e nobreza toda espécie de poder terrestre. Devemos reconhecer isso quando mais nitidamente percebemos que as coisas espirituais sobrepujam as temporais. A verdade o atesta: o poder espiritual pode estabelecer o poder terrestre e julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terrestre se desvia, será julgado pelo poder espiritual. Se o poder espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder superior. Mas, se o poder superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não o homem. Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a Pedro:”Tudo o que ligares…” (Mt 16,19) ”.[4]
O poder dado a São Pedro é um poder divino, e este poder o detém os seus sucessores. Quando Bonifácio VIII fala que somente Deus pode julgar o poder espiritual superior, refere-se ao fato de Deus mesmo agir através do Papa quando este usa seu poder papal. Por isso que somente um Papa pode de fato julgar um outro Papa, como aconteceu no caso do Papa Honório I, que foi anatematizado pelo seu sucessor no trono petrino, Papa São Leão II, por ter favorecido a heresia ariana.[5]
Há várias teorias acerca de um “Papa herético”, mas isso só são teorias que não constituem a Doutrina Católica já definida. Aventurar-se em teorias é querer sobrepor a autoridade da Igreja que já deixou expresso que o Papa não pode ser julgado por ninguém a não ser pelo mesmo poder pertencente a ele.
Só estes fatos já impossibilita qualquer Católico sincero de aderir ao sedevacantismo.
No entanto, os sedevacantistas alegam que o fato de os papas pós-1958 serem hereges manifestos ou terem caído em heresia os tornam inválidos.
Para podermos entender porque isso é um erro devemos saber o que é heresia; de acordo com o Catecismo Maior do Papa São Pio X, questão 363: ” Heresia é um erro culpável de inteligência, pelo qual se nega obstinadamente alguma verdade de fé “.[6]
De acordo com a teologia dogmática do Monsenhor Van Noort de 1957.[7], o Papa pode cair em heresia tanto como teólogo privado como pode ensinar heresia em documentos oficiais, desde que não preencha as quatro prerrogativas de infalibilidade expressas na Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I.[8] Ou seja, o Papa mesmo sendo Papa não está isento de erros que não comprometam sua infalibilidade papal.
Para além disso, os sedevacantistas citam a bula do Papa Paulo IV, Cum Ex Apostolatus Officio, que diz que um herege (ou seja, aquele que foi condenado pela Igreja por heresia – excomungado) não pode ser eleito validamente ao papado. Essa bula nada diz sobre um papa que caia em heresia.[9]
Segundo a teoria mais aceita pelos teólogos, a Sé nunca fica vacante ipso facto, como afirma o Cardeal Thomas Caetano. O Papa, embora caia em heresia, ele não perde seu cargo ipso facto. Ele deve ser advertido antes, de acordo com o Canon 2.314, 2 do Direito Canônico de 1917. Esta postura do direito canônico é fundada na lei divina (Tito 3,10) e é considerada tão necessária que mesmo aquele que publicamente aparta-se da fé (Canon 188, 4 de 1917 Código) deve ser advertido antes de perder seu ofício. Para além da advertência canônica, na maioria dos casos, a perda do cargo também exige uma sentença declaratória do crime. Quando a causa é de foro externo, ou seja, é de interesse público (como o caso de um clérigo) a sentença de excomunhão deve ser emitida perante a Igreja, para que se considere condenado o infrator.
Conforme a teoria citada, a heresia do Papa deve ser formal, ou seja, como disse acima, deve atacar uma verdade de fé que a Igreja impôs para ser crida como tal e negada com teimosia e deliberalidade.
No caso, os canonistas ensinam, como João de São Tomás, que somente um concílio geral dos bispos (no caso, concílio imperfeito, ou seja, aquele que não é convocado por um Papa) pode declarar que o indivíduo que ocupa a Sé já não é mais papa, no caso, não se julga um papa, mas um ex-papa que caiu de sua dignidade. Isto, no entanto, é somente uma teoria que não é doutrina definida pela Igreja.
Essa é a teoria mais aceita pelos teólogos acerca do Papa Herético, no entanto, como já dissemos, trata-se de um teoria qual não autoriza ninguém a aplicá-la, pois como dito, essa competência de julgar um Papa não cabe a ninguém além de outro Papa.
Dito isso, não temos a competência para afirmar que a Santa Sé está vacante atualmente, porque os papas pós 1958 foram eleitos canonicamente e nunca, ao menos, foram condenados pela Igreja como hereges formais antes de suas eleições. Como disse acima, somente um Concílio geral dos bispos pode declarar que o homem que ocupa a Sé deixou de ser Papa, segundo Suárez, essa é a opinião comum dos teólogos.[10]
Nem mesmo de acordo com a teoria mais aceita sobre o Papa herético a teoria sedevacantista pode sustentar-se como um fato doutrinal, portanto, é temerária audácia alçar voo nessa empreitada extremamente complexa. O que podemos fazer diante desta crise de fé é resistir, como fez Monsenhor Marcel Lefebvre, e rezarmos a Deus que nos mantenha firmes na Fé Católica.
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Notas:
[1]. Disponível em: < https://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19280106_mortalium-animos.html > acesso em: 12 de Abril de 2018.
[2]. Concílio Vaticano I, 4ª Sessão, Cap. 2, 18 de Julho de 1870. Denzinger nº 3056, 40ª Ed. Alemã, 2005.
[3]. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/ > acesso em: 12 de Abril de 2018.
[4]. Denzinger nº 870-875, 40ª Ed. Alemã, 2005.
[5]. Denzinger nº 552, 40ª Ed. Alemã, 2005.
[6]. Catecismo Maior de São Pio X, 2ª Edição, Gráfica e Editora América Ltda, Goiânia – 2015.
[7]. Christ’s Church, Monsenhor Van Noort, Idem, p 292-293.
[8]. Esses requisitos são, como definiu o Concílio Vaticano I, sessão 4, Capítulo IV: ” Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex-cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis “. – Denzinger nº 3067-3075, 40ª Ed. Alemã, 2005.
[9]. Assim ensina o Papa Paulo IV em sua bula Cum Ex Apostolatus Officio, de 15 de Fevereiro de 1554: ” Agregamos que se em algum tempo acontecer que um Bispo, inclusive na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primaz; ou um Cardeal, inclusive na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado, tivesse se desviado da Fé Católica, ou houvesse caído na heresia ou incorrido em cisma, ou o houvesse suscitado ou cometido, a promoção ou a assunção, inclusive se esta houver ocorrido com o acordo unânime de todos os Cardeais, é nula, inválida e sem nenhum efeito; e de nenhum modo pode considerar-se que tal assunção haja adquirido validez, por aceitação do cargo e por sua consagração, ou pela subseqüente possessão ou quase possessão de governo e administração, ou pela mesma entronização ou adoração do Pontífice Romano, ou pela obediência que todos lhe tenham prestado, qualquer que seja o tempo transcorrido depois dos supostos sobreditos. Tal assunção não será tida por legítima em nenhuma de suas partes, e não será possível considerar que se tenha outorgado ou se outorga algum a faculdade de administrar nas coisas temporais ou espirituais aos que são promovidos, em tais circunstancias, a dignidade de bispo, arcebispo, patriarca ou primaz, ou aos que tenham assumido a função de Cardeais, ou de Pontífice Romano, senão que pelo contrário todos e cada um desses pronunciamentos, feitos, atos e resoluções e seus consequentes efeitos carecem de força, e não outorgam nenhuma validez, e nenhum direito a nada “. – Disponível em: < https://gloria.tv/text/zKMjgsLk27Au1cbazmw6nJDwY > Acesso em: 12 de Abril de 2018.
[10]. O eminente teólogo Padre Pietro Ballerini disse que para advertir um Papa que professa heresias está designado “ Os cardeais, que são seus conselheiros ou o clero romano, ou um Sínodo romano, que, reunindo-se, julgá-lo oportuno ”. – De Potestate Ecclesiastica, Ballerini (Monasterii Westphalorum, Deiters 1847) ch 6, sec 2, p 124-25. Disponível em: <https://goo.gl/RN6yzF > Acesso em: 12 de Abril de 2018.