PODE A CIÊNCIA CONTROLAR-SE A SI MESMA?
O físico alemão Otto Hahn, inventor da fissão do átomo de urânio, estava internado num campo de concentração inglês, junto com outros eminentes cientistas. Quando, em agosto de 1945, recebeu a notícia de que Hirosshima tinha sido arrasada por uma bomba atômica, sentiu um profundíssimo sentimento de culpa. As suas pesquisas sobre a fissão do urânio tinham acabado por se utilizar para produzir um massacre terrível. Foi tal a sua angústia que tentou abrir as veias nos arames farpados que cercavam o campo. Depois que os seus companheiros conseguiram dissuadi-lo, o velho professor fez-lhes, desolado, a seguinte confissão:”Acabo de perceber que a minha vida não tem mais sentido. Pesquisei pelo puro desejo de revelar a verdade das coisas e todo o meu saber científico acaba de se converter num enorme poder aniquilador".
A experiência pessoal de Otto Hanh foi, na realidade, a experiência amarga de toda uma época. Uma aflitiva impressão de fracasso invadiu os espíritos de todos os que tinham lutado com tanta tenacidade por levar o conhecimento científico a máxima altura possível, convencidos de fazer com isso um grande bem a humanidade. Tinham trabalhado penosamente com a profunda convicção de que o aumento do saber teórico e o incremento da felicidade humana estavam inequivocamente vinculados. Acreditavam que fomentar o conhecimento científico teria sempre um valor positivo, que significaria automaticamente cotas mais elevadas de felicidade e igualdade. Pensaram que se tratava de um bem inquestionável e que, portanto, se traduziria indubitavelmente em bem-estar para o homem.
Mas esse entusiasmo plurissecular, que já tinha aberto fendas nas tricheiras de Verdun* (uma das batalhas mais sangrentas da 1ª guerra), ruiu estrepitosamente com os horrores da 2ª guerra mundial. O terrível poder destruidor das armas nucleares, os intensivos bombardeios da população civil, o extermínio sistemático e profundamente cruel de toda uma raça e um saldo de cinquenta milhões de mortos puseram tragicamente de manifesto que o saber teórico pode traduzir-se num saber técnico, e este, por sua vez, num amplo poder sobre a realidade, mas, por desgraça, todo esse domínio não leva automaticamente a uma maior felicidade dos homens se aqueles que detem esse poder não possuem uma consciência ética proporcional a sua responsabilidade.
Após séculos de febril incremento do saber científico, a idéia de que o progresso humano é sempre contínuo e não pode haver retrocesso revelou-se uma farsa irritante. O ideal do domínio científico e a consequente forma de humanismo desfizeram-se em pedaços ao entrarem em colisão com a obstinada realidade da história. Era patente que o futuro não devia caracterizar-se por essa ingênua crença no progresso como princípio motor de uma civilização, mas que era preciso alicerçá-lo em valores mais altos e seguros.