Discussão

PROFESSOR ORLANDO FEDELI: “Terror: a foice da Igualdade”

Paramentos Litúrgicos

 

Em 1793, a França Revolucionária, após assassinar Luís XVI, teve que enfrentar, ao mesmo tempo, a invasão das potências europeias a leste, e a rebelião dos católicos, na Vendée, a oeste. Favorecida por traições sistemáticas, a Revolução pôde escapar da derrota. Triunfantes, os revolucionários puderam impor um governo tirânico, como poucas vezes se viu na história.

A Revolução hipocritamente mascarou a tirania atrás de um suposto governo popular. Nas palavras de Robespierre, “a força do governo popular, na paz, está na virtude; durante a revolução, está na virtude e no terror”.

Em dezembro de 1793, o Terror foi posto na ordem do dia, isto é, foi aprovado por lei. Sua constituição, em regime político, baseou-se nos seguintes elementos:

1º) O comitê de Salvação Pública, dominado por Robespierre;

2º) O Comitê de Segurança Geral, encarregado do policiamento;

3º) Os representantes em missão;

4º) Os Clubes jacobinos e os Comitês Revolucionários dos departamentos;

5º) A Lei do Maximum, isto é, a lei do preço máximo (ou seja, tabelamento de preços).

6º) O Tribunal Revolucionário;

7o) A Lei dos Suspeitos, instituída posteriormente

A Convenção Revolucionária, tirano de centenas de cabeças, entregou o poder executivo, de fato, ao chamado Comitê de Salvação Pública. Este era formado por deputados da Convenção que assumiram todas as funções normalmente atribuídas a ministros. A alma desse comitê e encarnação do Terror foi Robespierre. O comitê só não cuidava da s finanças do país, embora as tivesse à sua disposição.

Ele nomeava generais, controlava a polícia – através do comitê de Segurança Geral -, conduzia a política interna e externa, cuidava da religião, das artes e da educação. A 10/9/1793, St. Just, braço direito de Robespierre no Comitê, conseguiu a aprovação de um decreto que prolongava seus poderes até a paz.

Ironicamente, a sede do Comitê era o antigo apartamento de Luís XVI nas Tulherias. De lá saíam os projetos ditados pelo comitê, que a Convenção votava incontinenti. Assim, suprimiam-se todas as garantias e controles constitucionais estabelecidos para evitar decretos ou leis injustas. A Revolução – feita contra o absolutismo – criou um governo de tal modo arbitrário que o antigo poder dos reis era nada comparado a ele.

Desde Março de 1793, a Convenção enviara dois representantes seus a cada um dos 83 departamentos em que a França fora dividida. Esses “representantes em missão” tinham todo o poder, nas províncias. Eram verdadeiros pro-cônsules, encarregados de fazer triunfar a Revolução e esmagar qualquer reação contrária.

Para desempenhar sua missão, os representantes dispunham de dois órgãos: os Clubes jacobinos e os comitês revolucionários locais.

Os primeiros formavam uma rede que controlava todas a atividade política na França. Tudo se debatia neles, e sem eles nada se fazia. Essa rede de clubes, porém, obedecia fielmente os impulsos que recebia do Clube Jacobino de Paris. Por sua vez, os comitês revolucionários locais estavam encarregados de vigilância sobre os estrangeiros e os suspeitos de contra-revolução.

Para conservar a França manietada, a Revolução criou e exasperou na massa uma verdadeira mania de perseguição: assim como os paranóicos veem perseguidores em todas parte, a Revolução em tudo via conjurações. E as conjurações deviam ser decapitadas na guilhotina. “Vamos ao pé do grande altar (da guilhotina) ver celebrar a missa vermelha”, dirá Amar, na Convenção.

O Tribunal Revolucionário estava pronto a fornecer vítimas para o sacrifício. Fouquier-Thinville, o acusador público, foi a mola desse tribunal. Seus jurados eram revolucionários venais, sanguinários e fanáticos. Um deles compusera uma paródia das ladainhas do Coração de Jesus para adorar o coração feroz de Marat, conservado pela Revolução, para ser cultuado, após seu assassinato. “Coração de Marat, manso e humilde, tem piedade de nós”, dizia uma das jaculatórias.

O ritmo das condenações à morte desenvolveu-se num crescendo. Uma execução a cada dois dias de abril a novembro de 93, duas por dia, de novembro de 93 a março de 94. Depois da Lei dos Suspeitos, o número de vítimas cresceu enormemente, chegando à média de 29 por dia – só em Paris – nos últimos meses do Terror. Houve dias em que foram guilhotinadas quase cem pessoas.

Os grandes holocaustos foram possíveis graças à aprovação da chamada Lei dos Suspeitos. Qualquer pessoa podia ser presa e condenada à morte por simples suspeita de ser contra-revolucionário, ainda que nada tivesse feito contra o governo, bastando que fosse apontada por duas testemunhas como suspeita. Para tais suspeitos, não se admitia advogado de defesa. Eram dispensados o inquérito policial e a apresentação de provas. O processo se limitava à leitura dos nomes dos suspeitos e ao pronunciamento da sentença, obrigatoriamente a morte na guilhotina. Jamais se promulgou, em qualquer época, uma lei tão iníqua. Ela foi o fruto perfeito da Liberdade revolucionária.

Curiosamente, livros e jornais que tanto vituperam a inquisição quase não criticam as iniquidades da Revolução Francesa. No máximo lamentam certos "abusos"… No entanto, o que houve foram crimes, e sancionados pela lei. Uma pessoa foi executada por ter um relógio com flores de lis, símbolo do rei. Uma família inteira foi morta por ter em casa uma pequena imagem impressa do Coração de Jesus. Pessoas que imprudentemente iam visitar amigos na cadeia, eram incluídas, sem julgamento, no rol dos condenados.

Os representantes em missão estenderam o regime do Terror às províncias. Alguns deles foram tão monstruosos que, se não houvesse documentação segura de seus crimes, se suporia que fossem inventados. Carrier, em Nantes, matou milhares de pessoas. Como a guilhotina e os fuzilamentos não dessem conta dos suspeitos, dos aristocratas e dos padres, ele os fazia afogar, às centenas, no rio Loire.

Em 4 meses afogou cerca de 4.800 pessoas. Os condenados eram levados amarrados em barcos, que eram afundados no rio. De cada vez, 300, 400 e até 800 pessoas eram mortas. Como os prisioneiros doavam os filhos a quem tivesse pena, Carrier fez recolher todas as crianças presas, e, numa noite, foram afogadas 400 delas, no Loire. Eram tantos cadáveres no rio que, ao levantarem âncora, os barcos traziam nelas, muitos corpos.

Em Lyon, Fouché e Collot d’Herbois organizaram a eliminação dos contra revolucionários a canhão e metralha. Os contra revolucionários eram amarrados em massa, e sobre eles se disparavam os canhões à queima-roupa. A seguir, à baioneta, se liquidavam os agonizantes.

O ex-padre oratoriano Lebon cometeu crimes nefandos em Arras, onde era o Representante da convenção. Divertia-se, fazendo a guilhotina escorregar devagar ou parar pouco acima do pescoço da vítima. Lia-lhes as últimas notícias da Revolução. Por que um papagaio gritava “Vive le Roi”, condenou à morte a ave e a seu dono. O papagaio, porém, na última hora, foi poupado da execução, a pedido da amante de Lebon, sob a condição de lhe ensinar a gritar “Vive la Revolutión”. Papagaio, porém é animal de palavra. Ele não sabia trocar de grito — e de amor — como o ex-padre do Oratório.

Ao mesmo tempo em que a Lei dos Suspeitos alimentava a guilhotina, a Lei do Maximum esfomeava o povo. O congelamento de preços provocou a queda vertiginosa da produção. Não adiantavam guilhotinas. A comida não aparecia, por que não se produzia mais, pois não valia a pena produzir e até era perigoso fazê-lo, pelos riscos que trazia: ter colheita guardada podia ser motivo de acusação de açambarcamento.

Em Paris, chegou-se a comer pão feito de capim. Sugeriu-se a matança de todos os cães e gatos de Paris, para evitar a perda de mantimentos. Sugeriu-se também o cultivo de batatas no Jardim Botânico. A fome cresceu até a supressão do congelamento.

Hoje os livros escolares dizem que a fome é que causa a revolução. O contrário é que é verdade. Toda revolução produz fome. O espírito revolucionário é que gera a miséria do povo.

O fanatismo revolucionário teve aspectos estranhamente religiosos. Expressões do espírito religioso da Revolução foram os cultos da Deusa Razão e do Ser Supremo. Ao combater o Catolicismo, a revolução criara ídolos. Típico dessa religião da igualdade e da morte foi a proposta feita por um sacerdote apóstata de que o governo aproveitasse a carne dos executados na guilhotina, para saciar a fome do povo.

Devia-se reconhecer o direito natural do homem a antropofagia. O projeto previa que para combater o preconceito contra a antropofagia, o governo estabelecesse açougues nacionais, que venderiam a carne dos guilhotinados, e que, uma vez por semana, houvesse um banquete público de confraternização do qual todos deveriam participar, e nos quais se serviria a carne dos contra-revolucionários executados. Era o que o imaginativo e filantrópico sacerdote propunha chamar de "Santíssimo Sacramento da Revolução".

Hoje, tais crimes estão propositadamente esquecidos. Neles não se fala. Louva-se a Revolução que fez triunfar "os direitos do homem". Mas o sangue das vítimas desses crimes clama a Deus dizendo: “Vinga, Senhor”. Ainda que todos se prostrem ante o ídolo sangrento da Revolução e da Igualdade.

 

Orlando Fedeli – "Terror: a foice da Igualdade"
MONTFORT Associação Cultural

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