SANTA GEMMA GALGANI
A piedosa, reclusa e mortificada rotina de Santa Gemma Galgani em casa de sua tia adotiva. Contava então 21 anos.
"De manhã, logo que sua tia despertava, levantava-se prontamente, vestia-se em alguns minutos, punha o chapéu e estava pronta para ir à igreja. Neste momento não empreendia nenhum trabalho, por urgente que fosse, e abstinha-se mesmo de falar. As primícias do dia deviam ser para Jesus. Por isso, de acordo com sua tia, que afinal lhe seguia sempre o exemplo, estava a pé antes de nascer o dia, quando os outros ainda dormiam e nenhuma necessidade tinham de seus serviços.
Ia, silenciosa e recolhida, ouvir duas missas: uma como preparação para a comunhão que nunca omitia, outra como ação de graças.
De volta a casa, juntava-se às meninas mais velhas e às criadas para cuidar dos mais novos e fazê-los rezar; depois, com um pequeno trabalho nas mãos, andava por um lado e por outro, por toda a parte onde a sua presença podia ser útil.
Gemma era muito entendida em bordados e trabalhos delicados de senhora. Todavia nunca deles se quis ocupar; isso seria, a seus olhos, vaidade e perda de tempo. Preferia remendar, fazer meia, e dar-se a outros trabalhos semelhantes, de modesta aparência, mas de muita paciência e de mui grande utilidade em uma família numerosa.
Embora habituada desde a infância a ser servida por criados, tinha grande predileção pelos trabalhos mais humildes. Via-se tirar água, arrumar os quartos com as criadas, lavar a louça e auxiliar a cozinheira.
A pedido seu, estava encarregada dos doentes, e bastava ela para atender a todas as suas necessidades. (…)
Gemma assistia à refeição comum da manhã e da tarde, mas, dir-se-ia que, só por pura formalidade. Como apenas algumas onças de alimento lhe bastavam, logo que tinha tomado algumas colheres de sopa, levantava-se da mesa sob qualquer pretexto, para ir a cozinha e não voltava senão para tomar mais qualquer bocadinho em companhia da família. No fim da refeição retirava-se imediatamente para o quarto, sem tomar parte na conversação que de costume se seguia.
Nunca ia a passeios, e como sua repugnância por eles era conhecida, ninguém insistia com ela.
À tarde ia à igreja para receber a bênção do SS. Sacramento, tanto em uso na piedosa cidade de Luca, e só voltava a horas tardias.
Falava tão pouco durante o trabalho e era tal a sua discrição no interior da casa, que quase passava despercebida. Nunca se ouvia falar pela casa, nem muito menos rir. Nunca se via correr ou andar atarefadamente, embora o ardor do seu caráter levasse naturalmente à vivacidade dos movimentos.
À chegada de uma pessoa estranha retirava-se logo, tanto para deixar toda a liberdade aos membros da família, como para evitar, pela fuga de conversas inúteis, as causas de dissipação. E neste ponto levou tão longe o escrúpulo, que, depois de muitos anos não conhecia, por assim dizer, nenhum dos frequentadores da casa. (…)
Nesta família verdadeiramente cristã a compassiva jovem experimentava a miúdo a consolação de exercer para com os pobres aquela caridade, de que lhe vimos dar provas nos dias da abundância da casa paterna. Via-se a cada instante pedir a sua tia alguns restos da cozinha em favor dum indigente.
Todas as vezes que ouvia bater à porta, julgava ser um pobre, e se não abriam prontamente pedia licença para ir ela abrir.
Quase sempre Gemma se encontrava em presença dum mendigo. Feliz então e contente, como se descobrisse um tesouro, mandava-o entrar para o pátio, pedia que se sentasse, corria para procurar algum bom bocado e voltava depressa, toda contente, a oferecê-lo com maneiras encantadoras.
Assentava-se a seu lado e, enquanto ele comia, fazia-lhe uma piedosa exortação. 'Ouvistes hoje missa? Há quanto tempo vos não aproximais dos sacramentos? E a oração, fazei-la de manhã e à noite? Pensais algumas vezes no que Jesus sofreu por nós?'
Depois deste exórdio, insinuava suavemente no espírito do pobre salutares pensamentos de fé, piedade e resignação. E ele, completamente restaurado no corpo e na alma, retirava-se contente.''
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Pe. Germano de Santo Estanislau. ''Santa Gema Galgani''. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1940.