São Matheus – Apóstolo e Evangelista – 21 de setembro
Mateus, “filho de Alfeu”, como diz São Marcos (2, 14), chamava-se também Levi, pelo costume que tinham os hebreus de muitas vezes ter um segundo nome, como Saulo e Paulo. Depois do encontro com Nosso Senhor, passará a ser conhecido somente pelo primeiro nome, que significa “dom de Deus”.
Embora Eusébio, o “Pai da História da Igreja” (entre 260-341), diga que Mateus era sírio,(1) de acordo com a tradição ele era galileu, e mesmo, segundo alguns, de Caná da Galileia, onde Cristo Jesus operou seu primeiro milagre, transformando a água em vinho.(2) Como nenhum dos três evangelistas que narram a vocação de São Mateus fazem qualquer alusão a que ele tenha deixado a família, pode-se supor que era solteiro quando encontrou Nosso Senhor.
Chefe dos “publicanos”
Mateus era um dos coletores de impostos para os romanos. Vivia em Cafarnaum, importante centro de tráfico às margens do lago de Genesaré. Por ali passavam as caravanas provenientes de Damasco e das cidades da Mesopotâmia com destino à Palestina, ao Egito e aos portos do Mediterrâneo.
Essa profissão, que consistia em ter “comércio público e banco aberto para passar letras de câmbio, expedir mercadorias, arrecadar tributos e passá-los a Roma”,(3) era mal vista pelos judeus, que os chamavam pejorativamente de “publicanos”. Ainda mais porque, sendo uma profissão muito lucrativa, lhes proporcionava ocasiões de procurar ganhos ilícitos.
Segundo o hagiógrafo grego do século X, Simeão Metafrastes — principal compilador das legendas dos Santos no calendário da Igreja Bizantina(4) — Mateus era o chefe e o principal dos publicanos que residiam na cidade.
Profissão comparável à dos criminosos!
Como cobradores de impostos para Herodes Antipas, representante dos romanos, os publicanos eram odiados pelos judeus mais observantes, por julgarem um absurdo que eles, pertencendo ao povo eleito, cobrassem um tributo para um poder usurpador e, sobretudo, pagão. Com efeito, para eles“o pagamento do tributo ao estrangeiro era um ato ilícito, uma coisa proibida pela Lei, um verdadeiro sacrilégio; e, portanto, o que colaborava com esse sacrilégio fazia uma traição à pátria, associava-se aos ímpios, vendia-se aos gentios, e era mais execrável do que eles. Sua condição só podia comparar-se à dos criminosos e das prostitutas”.(5)
Entretanto, é preciso notar que, apesar de os publicanos serem tidos como pecadores pelos fariseus, sua profissão era lícita, e muitos deles eram judeus praticantes e agiam de boa-fé. É o que se vê no Evangelho de São Lucas, quando narra que entre os que iam batizar-se com o Precursor estavam publicanos, que lhe perguntaram: “Mestre, que havemos de fazer [para nos salvar]?”. São João Batista não lhes disse que deixassem sua profissão, mas para “não exigir nada além do que fora taxado” (Lc 3, 12-13). Quer dizer, que fossem honestos em seu trabalho. Pelo que se deduz que muitos entre eles podiam estar de boa-fé.
O mesmo São Lucas acrescenta também que “todo o povo, mesmo os publicanos, depois de ouvi-lo [ao Batista], conheceram a justiça de Deus, recebendo o batismo de João” (7,29).
O próprio Cristo Jesus disse aos príncipes dos sacerdotes e aos fariseus: “Os publicanos e as mulheres de má vida vos precedem no reino de Deus. Porque veio a vós João pelo caminho da justiça, e não crestes nele, ao passo que os publicanos e as meretrizes creram nele” (Mt 21,31-32).
“Hoje entrou a salvação nesta casa”
Outro exemplo disso: Zaqueu, que era “chefe dos publicanos e rico”. Ele teve a graça de hospedar o Divino Mestre em sua casa, afirmando-Lhe: “Dou a metade dos meus bens aos pobres e, se a alguém defraudei em alguma coisa, devolvo-lhe o quádruplo”. Essa honestidade e retidão de consciência levou nosso Redentor a exclamar: “Hoje a salvação veio a esta casa, porquanto também este é filho de Abraão” (Lc 19, 1-10).
Por isso, segundo muitos teólogos, tudo leva a crer que o evangelista Mateus era honesto, religioso, de bons costumes e fiel cumpridor da lei de Moisés, o que atraiu o divino olhar de Jesus.
Mateus “Levantando-se, seguiu-O”
O próprio São Mateus nos narra seu encontro com Jesus. O Divino Mestre acabara de operar em Cafarnaum mais um de seus estupendos milagres, ao curar um paralítico cujos companheiros o haviam feito descer de modo dramático do teto ao meio da sala onde estava o Messias. Pouco depois, “passando Jesus dali, viu, sentado ao telônio, um homem por nome Mateus, e lhe disse: ‘Segue-me’. “E ele, levantando-se, seguiu-O” (10, 9). São Marcos e São Lucas dão praticamente a mesma versão.
O ilustre Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867 – 1938) comenta assim essa passagem do Evangelho: “O mundo não compreende esse impulso irresistível de certas almas que, abandonando tudo, se consagram exclusivamente ao serviço de Deus. Deixemo-lo zombar do que não entende, pois só os que têm fé conhecem o segredo destes mistérios da graça. Era preciso que Jesus fosse bastante poderoso, que fosse verdadeiramente Deus, para que assim se fizesse obedecer tão prontamente e com toda abnegação.”(6)
Por sua vez, afirma D. Guéranger: “Mateus tinha uma alma reta; e, iluminada por Deus, deixou tudo, cedeu a outro seu ofício, e seguiu Jesus. Desde então mereceu com razão ser chamado Mateus: o dom de Deus. Mas, quão maior era o dom que Deus fazia a Mateus! O Mestre veio escolher o que no mundo havia de mais baixo, o mais desprezado na ordem social, para convertê-lo em príncipe de seu povo, e elevá-lo à dignidade mais alta que existe na Terra depois da dignidade da Maternidade divina: a dignidade de Apóstolo.”(7)
Admirável atração que exercia Jesus
Morando em Cafarnaum, onde o Divino Mestre estabelecera residência durante sua vida pública, Mateus deveria ter ouvido falar muito do Messias, e mesmo ter tido conhecimento ou assistido a algum dos muitos milagres que operava. “Aliás, se a sua conversão tivesse sido obra de um único instante, o fenômeno psicológico estaria em perfeita relação com o espantoso poder de atração que Jesus exercia sobre os corações.”(8)
São Mateus era bem rico. Embora Nosso Senhor tenha dito que é muito difícil os ricos ganharem o Céu por causa do apego às riquezas, Ele não afirmou ser impossível. Pois o bom uso dos bens terrenos, aliado a uma vida de piedade, pode também levar à santidade. Por isso o Divino Mestre o escolheu, depois de ter chamado alguns modestos pescadores.
Mateus então, para comemorar o seu chamado para o Colégio Apostólico, “ofereceu-lhe um grande banquete”. Note-se a palavra “grande”! Dele participaram, além do Divino Mestre e seus primeiros discípulos, “muitos publicanos e pecadores” (Mt 9, 10).(9)
“Cristo quis, como em seguida declarará aos fariseus, oferecer ocasião àqueles homens, desprezados por todos e espiritualmente abandonados, de conhecer a doutrina de seu novo reino, que vinha pregando, no qual todos, sem exceção, tinham entrada. ‘Veio Cristo ao banquete — explica São João Crisóstomo —, veio a Vida ao convite, para fazer viver consigo aos que estavam condenados à morte’”.(10)
Três anos na proximidade com o Redentor
Embora o Evangelho também não registre, é possível que Mateus, fiel ao conselho de perfeição dado por Nosso Senhor ao moço rico, tenha antes de O seguir vendido todos seus bens e dado o produto aos pobres.
Depois desta passagem do Evangelho, São Mateus desaparece do cenário bíblico, só sendo mencionado na lista dos Apóstolos.
Mas é certo que, como discípulo e Apóstolo, ele permaneceu junto ao Divino Mestre durante os três anos de sua vida pública, desfrutando de sua intimidade, sendo testemunha de seus milagres e ensinamentos — que depois narrou em seu Evangelho. Como também de sua ressurreição e ascensão aos Céus. Junto a Nossa Senhora e aos outros Apóstolos, recebeu o Espírito Santo por ocasião de Pentecostes, pregou em Jerusalém e depois partiu para evangelizar o mundo.
Martírio na Etiópia?
Sobre os países evangelizados por São Mateus há divergências. “Santo Irineu (+202) nos diz que ele pregou o Evangelho entre os hebreus. São Clemente de Alexandria acrescenta que ele fez isso durante quinze anos, e Eusébio afirma que, antes de ir a outros países, ele escreveu seu Evangelho em sua língua materna. Antigos escritores […] quase todos mencionam a Etiópia, ao sul do Mar Cáspio (não a Etiópia na África), e alguns a Pérsia e o reino dos Partas, Macedônia e Síria” como lugares evangelizados por ele”.(11)
Segundo a tradição corrente, São Mateus morreu mártir, provavelmente na Etiópia, apesar de São Clemente de Alexandria, baseado no escritor Heracleon, afirmar que ele teve morte natural. Os vários relatos existentes sobre seu martírio são considerados apócrifos e carentes de valor histórico. Outros escritos atribuídos ao Apóstolo, além do seu Evangelho, são também considerados apócrifos.
D. Guéranger segue a tradição de que São Mateus “morreu na Etiópia, de onde seu corpo foi levado para Salerno; a igreja catedral dessa cidade lhe está dedicada. Clemente de Alexandria diz que São Mateus era de grandíssima austeridade de vida e a tradição conta que morreu mártir por ter defendido os direitos da virgindade que se oferece a Deus”.(12)
O primeiro Evangelho
Pouco antes da Paixão, Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos Apóstolos que “o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará tudo, e vos trará à memória tudo quanto eu vos disse” (Jo 14, 26). Foi isso que possibilitou aos Evangelistas escreverem seus Evangelhos.
Santo Irineu, Bispo de Lyon e Padre da Igreja (início do século II), afirma que São Mateus escreveu seu Evangelho para os judeus, e Orígenes (185-254) especifica que, por isso, foi escrito em língua hebraica. Pelo que os exegetas salientam seu caráter judaico, que é plenamente confirmado pelo próprio Evangelho.
Quanto à data em que foi escrito, também há muita divergência. Santo Irineu afirma que “Mateus escreveu o seu evangelho entre os hebreus, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e fundavam a Igreja”. “Foi este o tempo em que as paixões nacionalistas do judaísmo se foram inflamando cada vez mais, em que a pregação de um Messias crucificado devia parecer uma traição da causa santa do povo de Deus. Foi ‘a hora em que julgavam prestar um serviço a Deus’ matando os apóstolos (Jo 16,2). Era o tempo em que, fugindo de cidade em cidade, não podiam terminar [‘as cidades de Israel’] até que viesse o Filho do Homem (Mt 10,23) para castigo dos judeus que se obstinavam na incredulidade. Não havia mais cabimento continuar a pregação na Palestina. Foi então que São Mateus, como os demais apóstolos, deve ter tomado a resolução de ‘sacudir o pó dos pés’ (Mt 10, 14) e dirigir-se definitivamente aos gentios. Para este momento histórico, foi escrito o primeiro Evangelho”.(13)
O “Evangelho Católico”
“Na Igreja antiga ‘o evangelho segundo Mateus’ obteve a maior autoridade entre todos. Foi ele o mais usado, o mais citado e comentado, e foi sempre colocado em primeiro lugar. Ele é chamado o católico, porque traz os textos mais importantes sobre o primado de Pedro (16, 17-19), sobre a jurisdição na Igreja (18, 18) e a missão universal de evangelização de todas as gentes (28, 19-20). […] São Mateus nos propõe um vastíssimo material, mas numa concisão que se restringe sempre ao essencial para provar a sua tese da emancipação da Igreja da sinagoga”.(14)
A Santa Igreja celebra a festividade de São Mateus no dia 21 de setembro.
_____________
Notas:
1. Cfr. E.Jacquier, St. Matthew, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
2. Vide, p.ex., Pedro de Ribadeneira, Flos Sanctorum, in La Leyenda de Oro, Dr. D. Eduardo Maria Vilarrasa, L. González y Compañia, Barcelona, 1897, tomo III, p. 589.
3. D. Duarte Leopoldo e Silva, Concordância dos Santos Evangelhos, Escola Tipográfica Salesiana, São Paulo, 1903, p. 231, nota 1.
4. Apud Adrian Fortescue, Symeon Methaphrastes, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
5. Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madri, 1945, tomo III, p. 667.
6. Op. cit., p. 63.
7. Op. cit. p. 456.
8. Louis-Claude Fillion, Jesus Cristo, segundo os Evangelhos, Civilização Editora, Porto, 2007, p.135.
9. “A palavra pecador não tinha para os judeus o mesmo significado que tem para nós, cristãos; significava antes uma impureza legal ou por descuido das prescrições farisaicas rituais ou por desempenhar um ofício proibido”. João Leal, S.J., La Sagrada Escritura, Nuevo Testamento, Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1964, tomo I, p. 99, nota4.
10. Id.ib., p. 101.
11. E.Jacquier, op.cit.
12. Op. cit. p. 458.
13. Novo Testamento, Introdução ao Evangelho de São Mateus, Dr. Fr. Mateus Hoepers, O.F.M., Editora Vozes, Petrópolis, 1958, p. 20.
14. Hoepers, op.cit., p. 21.