São Valentim foi eliminado do calendário dos santos da Igreja Católica
Assinala-se que 14 de fevereiro em parte do mundo ocidental é o dia dos namorados, sob a invocação de São Valentim, que teria sido bispo italiano do século III, condenado à morte por um imperador romano por recusar renunciar à fé católica e por celebrar casamentos em segredo, e que foi canonizado ainda nos primeiros séculos da Igreja. A verdade é que, ao contrário da maioria dos santos católicos que se celebram nos vários dias do ano, São Valentim já não está no calendário dos santos desde 1969. Ou seja, hoje não é oficialmente dia de São Valentim. Aliás, nem se sabe bem quem foi São Valentim. As lendas confundem-se e poderá haver pelo menos três santos de nome Valentim cujas histórias se fundiram ao longo dos anos.
Recuemos quase dois milénios: segundo um artigo do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, São Valentim viveu entre os anos 175 e 273. Alguns documentos da Igreja, datados dos séculos VI e VII, contam os poucos detalhes conhecidos sobre este santo — por essa altura já canonizado. Valentim foi o primeiro bispo da cidade italiana de Terni e tornou-se muito popular pela sua “santidade de vida, caridade e humildade, pelo apostolado zeloso e pelos milagres” — o bispo terá mesmo curado um jovem em Roma. Valentim acabou por ser preso por ordem do imperador Aureliano e morto a 14 de fevereiro de 273. Foi enterrado num cemitério a céu aberto até que três crentes exumaram o corpo e o levaram para Terni, para o sepultarem com dignidade, resume o texto.
Naquela altura, celebravam-se no dia 15 de fevereiro os rituais pagãos — gregos, itálicos e romanos — relacionados “com a purificação dos campos e os ritos de fecundidade”. Esses ritos, porém, acabariam por ser proibidos pelo imperador Augusto. No ano 494, o Papa Gelásio decidiu acabar definitivamente com aqueles ritos, transformando-os numa festa católica. Antecipando a celebração para o dia 14 de fevereiro, dia do martírio de Valentim, o Papa definiu que aquele mártir passaria a ser o padroeiro dos noivos e dos namorados, devido às várias lendas em torno da sua vida.
E que lendas? É aqui que os documentos da Igreja não são muito esclarecedores. Além dos detalhes biográficos e do decreto de Gelásio, pouco se sabe da vida de Valentim. Uma lenda conta que aquele bispos oferecia habitualmente rosas aos namorados e aos noivos como sinal de um casamento feliz. Outra tradição, citada esta quarta-feira pela Comissão Episcopal do Laicado e Família da Conferência Episcopal, conta aquele santo italiano “teria apoiado os jovens na vocação ao Matrimónio, contra a ordem do imperador que os impedia de casar, porque os queria livres para servirem no exército romano“, chegando mesmo a celebrar casamentos em segredo — motivo que o levou à prisão.
Enquanto esteve preso, contam as lendas que Valentim recebeu dezenas de cartas e postais de jovens cujos matrimónios tinha celebrado em segredo, agradecendo-lhe por acreditar no amor. Um artigo da agência Ecclesia conta esta mesma tradição de forma ligeiramente diferente, explicando que Valentim foi decapitado “por se ter recusado a renunciar ao Cristianismo e por, secretamente, ter celebrado o casamento entre uma jovem cristã e um pagão legionário, apesar da proibição de Cláudio II“.
Mas há ainda mais confusão a complicar a história: segundo a tradição, houve outro Valentim a viver em Itália no mesmo período, o padre Valentim de Roma, que também morreu mártir no século III. E há referências a um terceiro São Valentim, um mártir que morreu em África e que também se celebrava a 14 de fevereiro — mas sobre este nada mais se sabe.
O organismo oficial da Igreja Católica responsável por estudar e catalogar os santos (que hoje é a Congregação para a Causa dos Santos) só foi criado em 1588. Antes dessa data, não havia propriamente um processo oficial que levasse à canonização, pelo que há muitos santos católicos que têm origem em tradições e lendas populares.
Em 1969, o Papa Paulo VI publicou uma carta apostólica em que aprovou o novo calendário dos santos (após o Concílio Vaticano II). Na carta, o Papa explica que vários santos acabaram por ser retirados do calendário, e outros tornaram-se de memória facultativa ou passaram a ser celebrados apenas em alguns locais. Entre os santos removidos do calendário estava São Valentim, que até àquele ano foi oficialmente celebrado pela Igreja a 14 de fevereiro. Segundo a Ecclesia, a renovação do calendário resultou de uma “decisão de reformar as festas dos santos que tiveram origem em lendas” — como era o caso de São Valentim. Atualmente, a Igreja Católica celebra no dia 14 de fevereiro o dia de São Cirilo e São Metódio — e não de São Valentim.