Seitas
Um dos fenômenos mais característicos deste fim de século materialista é o pulular de seitas. Ao longo de uma rua qualquer podem ser encontradas igrejas, capelas, templos, centros e terreiros, frequentados por multidões de cegos sem rumo. Homens que buscam fábulas, porque já não suportam a verdade. Supersticiosos que perderam a fé e que, sôfregos, desejam adorar a própria opinião. Deserdados, doentes ou miseráveis que têm por ídolo o dinheiro, a vida, a saúde. Todos os que pretendem que Deus os sirva.
Que é uma seita? Por que se multiplicam as seitas hoje com a rapidez das células cancerosas? O que atrai as pessoas para elas? São essas algumas das perguntas que um documento elaborado por vários Dicastérios romanos pretende responder (cfr. Osservatore Romano, 29.06.86, pp. 317 a 320).
A palavra seita vem do latim secta e significa cortada, separada. O estudo do Vaticano define seita como um "grupo religioso com uma concepção do mundo peculiar própria derivante, mas não idêntica, dos ensinamentos de uma das principais religiões do mundo". (p. 317).
O termo seita tem uma conotação pejorativa. Jamais os membros de um grupo religioso admitem ser considerados sectários. Comumente eles julgam os verdadeiros e únicos fiéis continuadores de uma religião que reputam verdadeira.
Há seitas de todas as religiões. Não há, porém, propriamente seitas católicas, no sentido em que elas existem nas outras religiões. O shiismo, por exemplo, é uma seita maometana que permanece inserida no Islam. Quando surge uma seita entre os católicos, contudo, ela é logo expelida pela excomunhão. A unidade santa da Igreja Católica é incompatível com a existência de seitas em seu seio.
A tendência para a formação de seitas é diretamente proporcional à falta de coesão doutrinária e à falta de unidade da religião-tronco. O protestantismo é essencialmente sectarizante, pois o princípio do livre-exame da Bíblia gera continuamente novas divisões e impede qualquer unidade. Pelo contrário, a unidade da verdade católica e a unidade de seu governo monárquico obrigam os grupos sectários a saírem e a constituírem religiões autônomas. É o que deve ocorrer em breve com a seita progressista.
CRISE
As seitas se multiplicam nas épocas de crise na Igreja e, principalmente, quando a força unificadora do Papado diminui. Por fraqueza, por covardia, por omissão ou por cumplicidade, um Papa pode contribuir para o crescimento dos erros e difusão das heresias. Assim, no final da Idade Média, com o prestígio do papado abalado pelo cativeiro de Avignon e pelo Grande Cisma do Ocidente, multiplicaram-se os grupos sectários.
Hoje ocorre um fenômeno semelhante. A crise do catolicismo tornou-se aguda a partir do Concílio Vaticano II. A defesa do ecumenismo, da liberdade de religião e de consciência, provocou a atual onda relativista em matéria de Fé e de Moral.
Até mesmo o documento do Vaticano que focalizamos reconhece que as pessoas aderem às seitas porque não encontram mais na Igreja a satisfação de suas necessidades e aspirações, nem diretriz para suas vidas. Mas insiste em recomendar o diálogo ecumênico – o qual tanto tem favorecido o relativismo e o indiferentismo – e uma atitude de abertura e compreensão e não de condenação para com os sectários convictos. Ora, é essa recusa em condenar o erro que torna as autoridades eclesiásticas responsáveis pela decadência do catolicismo e consequentemente pela proliferação das seitas.
O mundo tem tal necessidade de ter um Papa que, quando o sucessor de Pedro se recusa a apascentar o rebanho, as ovelhas logo procuram outro pastor. E o demônio está sempre pronto a suscitar mercenários que pretendem substituir o Sumo Pontífice, arvorando-se em chefes carismáticos da Igreja. Quando o Papa se cala ou pactua com o erro, pululam os messias, os profetas, os gurus e os falsos taumaturgos.
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O LÍDER
"As seitas parecem oferecer direção e orientação através de chefes carismáticos. A pessoa do mestre, do chefe, do líder espiritual, desempenha um papel importante na coesão dos discípulos. Ao mesmo tempo, não existe apenas submissão, mas abandono emocional, e sempre uma devoção quase histérica a um chefe espiritual influente (messias, profeta, guru)". (Osservatore Romano, estudo citado, p. 318).
Por vezes, produz-se uma verdadeira caricatura do Papa. O "Profeta" faz-se carregar numa "Sédia Gestatória", ou abanar por "flabelli", reza o "Angelus" do alto de uma escada previamente adornada com um tapete; afirma-se inerrante; dá a sua benção a todos os seus discípulos "da cidade e do mundo" (urbi et orbi) etc.
É evidente que nesse perfil há muitos traços que indicam desequilíbrio. Não é raro que as seitas se constituam em torno de um homem de tendências paranóicas que se julga incumbido por Deus de salvar a Igreja ou a humanidade. A esse respeito veja-se o que diz o Dizionario di Teologia Morale do Cardeal Francesco Roberti, secretariado por Mons., mais tarde Cardeal, Pietro Palazzini: "… os paranóicos desse tipo, convencidos de estar destinados a cumprir uma missão sobrenatural para salvar a humanidade em perigo, não se limitam só às obras pessoais de ascese religiosa, mas assumem logo atitudes e conduta de reformadores, de apóstolos: são fanaticamente desprezadores da autoridade constituída e assim, em breve, revelam a sua loucura, não obstante o coro entusiasta de um mais ou menos numeroso grupo de seguidores, almas simples não sempre isenta, elas próprias, de notas paranóicas ou histéricas e, portanto, cegamente confiantes na palavra e, algumas vezes, crédulas nos pretensos milagres de tais enfermos" (Dicionário citado, verbete Paranóia: Ed. Studium, Roma).
PROFETA
Norman Cohnn afirma que já na Idade Média "o profeta pertencia a uma categoria social particular que pouco mudou no decurso dos séculos. Um grande número de profetas era membro do baixo clero (…), a seu lado encontravam-se igualmente membros deslocados da pequena nobreza (…) e numerosos leigos obscuros que tinham chegado a adquirir, de um modo ou de outro, a cultura de um clérigo (…). Qualquer que seja sua história individual, eles constituíam coletivamente uma camada social distinta, uma intelligentzia frustrada e de segunda categoria. Foi nesse mundo agitado de intelectuais e de semi-intelectuais desclassificados que a doutrina escatológica foi não só preservada mas produzida e elaborada até servir de ideologia revolucionária. (…) Esses profetas, que dispunham do necessário magnetismo pessoal, não se contentavam de montar uma ideologia revolucionária; eles mesmos se erigiam chefes eleitos por Deus para os Últimos Tempos, arautos da Parusia,. Imperador dos Últimos Dias e até Cristos reencarnados. Não é duvidoso que alguns desses homens fossem megalomaníacos. Outros eram impostores. E numerosos deles as duas coisas ao mesmo tempo. Todos possuíam um ponto comum: cada um se pretendia encarregado da incomparável missão de conduzir a Histórica a seu cumprimento pré-estabelecido. Essas pretensões influenciavam profundamente os grupos que se constituíam a seu redor. Porque os profetas não ofereciam apenas a seus discípulos a ocasião de melhorar a sua sorte e de escapar de angústias prementes, mas também a perspectiva de realizar uma missão capital e prodigiosa fixada por Deus. Eles também foram rapidamente enfeitiçados por esse sonho. Então se constituía um grupo de uma espécie particular, protótipo de um partido totalitário moderno, impiedoso e em constante fermentação, obcecado por quimeras apocalípticas e penetrado por sua própria infalibilidade; este grupo se sentia muito acima do resto da humanidade e repelia toda a pretensão diversa daquela inerente à sua pretensa missão" (NORMAN COHNN, Les fanatiques de l´Apocalypse, Juliard, Paris, 1957, p. 305).
SANTO
"O profeta normalmente se faz venerar como um santo, monarca ou até como Deus. Na Idade Média, os sequazes do heresiarca Tanchelm lhe eram cegamente devotados. Ele se fazia transportar numa espécie de trono, como se fosse um monarca, era precedido por sua própria espada auriflama, tinha escolta e distribuía a água do seu banho: alguns a tomavam à guisa de Eucaristia, enquanto outros conservavam piedosamente essa relíquia" (N. COHNN, op. cit. p. 46).
Os Beguinhos consideravam Frei Pedro João Olivi como "a luz e a tocha enviadas por Deus ao mundo e que andavam em trevas aqueles que não viam essa luz; e que se o Papa condenasse a doutrina e os escritos de Frei Pedro João Olivi, ele seria herético, porque condenaria a vida e a doutrina de Cristo; que os escritos de Frei Pedro João Olivi são mais necessários à Igreja de Deus, nesses tempos do fim do mundo, do que as obras de não importa quais doutores e santos; que se Deus não tivesse previsto as necessidades da Igreja de Deus enviando-lhe o dito Frei Pedro João ou um outro que lhe fosse semelhante, o mundo inteiro seria herege e cego" (BERNARD GUI, Manuel de l’Inquisiteur, p. 141).
DOUTOR
Diziam ainda que Frei Pedro João Olivi era "um tão grande doutor que desde os Apóstolos e os Evangelistas, não houve maior" (Idem, p. 139).
Nicolas de Bâle, um dos líderes do movimento herético dos irmãos do Livre Espírito "se pretendia um novo Cristo. Aos olhos de Martim (de Mayence, julgados em Colônia em 1393) a única via de salvação passava por um ato de submissão absoluta ao seu senhor. Era uma experiência terrível, mas uma vez realizada, ela acarretava imensos privilégios, porque Nicolas era a única verdadeira fonte de saber e de autoridade. (…) Seguindo as ordens de Nicolas, não se podia mais pecar. Se ele ordenasse, podia-se praticar a fornicação ou um assassinato sem escrúpulos. O único pecado consistia em desobedecê-lo ou renegá-lo.
Desde o instante que se tinha feito ato de submissão (a Nicolas) penetrava-se no estado de inocência original (N. COHNN, op. Cit., p. 186).
GRUPO SECTÁRIO
É evidente que essas atitudes arrastam à insubordinação. O "profeta" se afirma chamado por Deus para executar uma missão extraordinária na História, e por isso, considera-se superior às autoridades eclesiásticas estabelecidas e dispensado de obedecê-las. Mas acredita que elas é que lhe devem obediência. Como não o seguem, passa a condená-las como traidoras de sua missão eclesiástica e automaticamente destituídas de suas funções. A Hierarquia da Igreja é então considerada como pura estrutura sem espírito e sem a graça de Deus. Daí – mesmo que não se diga – passa-se a condenar como apóstata a Igreja estruturada. Verdadeira Igreja é a dos eleitos seguidores do "profeta". Nasce a "Igreja espiritual", isto é, a seita que pretende ser a autêntica continuação da Igreja.
Os exemplos históricos comprovantes desse resvalamento para o sectarismo são numerosos. Os beguinos distinguiam duas igrejas: "uma igreja carnal, isto é, a Igreja romana, e da multidão dos reprovados; outra, a igreja espiritual, a dos homens espirituais e evangélicos que vivem da vida de Cristo e dos apóstolos e é a sua própria igreja" (Bernard GUI, op. cit., p. 145).
Fra Dolcino ensinava que "toda autoridade conferida outrora por Nosso Senhor Jesus Cristo à Igreja romana está atualmente totalmente esgotada e cessou de existir por causa da malícia dos prelados.
A Igreja romana que é governada pelo Papa, pelos cardeais, pelos prelados, clérigos e religiosos, não é, dizem eles, a Igreja de Deus, mas uma igreja reprovada e sem fruto" (…) "Assim, todo o poder espiritual, que no princípio Cristo entregou à Igreja, foi transferido à seita daqueles que se dizem apóstolos ou da ordem dos Apóstolos; esta seita ou ordem é, segundo eles, a congregação espiritual enviada e reservada por Deus para estes últimos tempos" (…) "Também, segundo eles, somente aqueles que se dizem apóstolos da seita sobredita ou congregação constituem a Igreja de Deus" (Bernard GUI, op. cit., p… 87 e 89).
O caráter separatista do espírito sectário tende a manifestar-se por um comportamento singular. Já Santo Agostinho notara que "em toda religião os homens não podem se agrupar sem se distinguir por um certo número de marcas ou de sinais aparentes" (Migne P. L. XLII, col. 355). Por isso, na Idade Média, o Manual do Inquisidor de Bernard Gui apontava como sinal suspeito de heresia o afastamento do modo comum de vida dos fiéis, sem causa justa. Falando dos Pseudo-apóstolos, seguidores de Gerardo Segarelli e de Fra Dolcino, diz aquele manual: "Apesar disso, eles não são menos suspeitos (afastam-se, com efeito, em suas vidas e costumes, do uso comum dos fiéis), e porque se os vê aderir ostensivamente aos hábitos e às maneiras singulares de sua seita, pelo também porque usam uma roupa especial e distintiva, como se se tratasse do hábito de alguma comunidade religiosa: eles não pertencem, entretanto, absolutamente a nenhuma ordem aprovada pela Igreja. Há mias: essa ordem é reprovada, visto que toda vestimenta análoga à dos religiosos, se não é aprovada, é interdita e seu porte é proibido: de outro modo, qualquer pessoa não religiosa poderia usurpar em aparência essa qualidade" (BERNARD GUI, Manuel de l’Inquisiteur, edité et traduit par G. Mollat, Les Belles Lettres, Paris, 1964, vol. I, p. 105).
O REINO
Para explicar como a Igreja ficou reduzida a um pequeno número de eleitos, os sectários costumam recorrer ao Apocalipse, que fala da grande apostasia e do pequeno número que permanecerá fiel. Eles são o resto, o "residuum" fiel. Era exatamente isso que afirmavam espirituais e fraticelli, no final da Idade Média.
"Os fraticelli viam a si mesmos como o resto salvo reunido na frágil barca da Igreja verdadeira, a Arca de Noé da última idade do mundo". (M. REEVES, The Influence of Prophecy in the Later Middle Age, Oxford, St Clarendon Press, 1969, p. 227).
"Deveis saber que… no princípio da Sexta idade (da Igreja), Cristo deve enviar ao mundo um homem que teria a missão de construir uma outra Arca como a de Noé, na qual se preservará outra vez a semente dos eleitos do dilúvio dos infiéis, os quais devem ainda vir a destruir a Igreja de Cristo, como também o dilúvio dos falsos cristãos e falsos profetas, isto é, dos falsos Papas, Bispos e religiosos … e este homem foi venerável patriarca Senhor São Francisco" (F. TOCCO, Studii Francescani, vol. III, apud M. REEVES, op. cit., p. 214).
Assim, os fraticelli profetizavam que haveria um grande castigo no qual pereceriam todos os falsos cristãos, e até muitos membros de sua própria Ordem, sendo preservados apenas um muito pequeno número de pessoas – um resíduo – que entraria na era do amor, no Reino do Espírito Santo (Cfr. M REEVES, op. cit. P. 227), no qual a lei seria abolida (Cfr. N. FALBEL, A Luta dos Espirituais Franciscanos …, p. 123).
"No tempo da perseguição do Anticristo… os cristãos carnais serão mergulhados numa tal aflição que cairão no desespero… apostatarão e morrerão. Mas Deus esconderá os eleitos espirituais… e o Anticristo e os seus ministros não poderão descobri-los. A Igreja então será reduzida ao número de pessoas que ela contava quando da fundação da Igreja primitiva. Com dificuldade, restarão doze. Por meio deles, a Igreja será reconstituída e sobre eles o Espírito Santo espalhará seus dons tanto ou mais do que sobre os Apóstolos da Igreja primitiva …" , diziam os Beguinos (BERNARD GUI, op. cit., p. 151). Alguns dos Beguinos diziam que até fisicamente se poderia sentir essa efusão do Espírito Santo. Outras seitas afirmam que haverá uma transformação na natureza humana: os maus terão seus corpos animalizados, enquanto os bons (os membros da seita) serão angelizados, alcandorados… A própria natureza material será mudada no Reino que virá: as águas serão mais puras, as frutas mais saborosas, o clima será doce e suave, os homens serão bons, a reprodução humana terá mais elevação perdendo seu caráter sexual e animal e passando a ser "angelical", realizando-se por meio da palavra.
Para muitas seitas, como a dos Fraticelli, dos Dolcinianos, e dos Progressistas, o Reino do Amor será comunista, sendo abolida a propriedade particular. Não mais haverá rico e pobre. Tudo será de todos.
Para os Beguinos, na Era do Amor "todo o mundo seria bom e sem pecado, e todos os bens seriam de uso comum, reinando a caridade entre os homens" (N. Falbel op. cit. P. 251).
Quanto aos Irmãos do Livre Espírito, "desde o Século XIV, alguns deles pelo menos, haviam chegado à conclusão que o estado de inocência não poderia se acomodar com a instituição da propriedade privada. Em 1317 o Bispo de Estrasburgo escrevia: Eles creem que tudo pertence a todos, de onde eles concluem que o roubo lhes é permitido" (N. COHN – op. cit. P. 86).
Taboritas e Anabatistas seguiram pelo mesmo caminho. Em Münster, Rothman e João de Leyde estabeleceram um Reino de Deus onde vigoravam o comunismo e o amor livre (cfr. J. BOLLE, Les séduction du comunisme pp. 47 a 67)
APOCALIPSE
Sem negar a veracidade das profecias apocalípticas, devemos observar que é próprio dos grupos sectários prever o Apocalipse para depois de amanhã, e isso por duas razões:
a – porque se consideram escolhidos e dirigidos diretamente por Deus para salvar a Igreja, realizando o objetivo final da História;
b – porque não conseguindo e não querendo convencer a massa do povo – pois o "residuum" é por definição composto de poucos elementos – os sectários têm que esperar sua vitória de uma intervenção direta de Deus.
A espera dos acontecimentos apocalípticos é manipulada pelo profeta da seita para manter seus sequazes em perpétua alienação da realidade histórica e em contínua tensão psicológica. A seita vive numa expectativa histérica que a torna ávida de profecias e sinais do céu. Os sectários colecionam revelações e predições. Estão constantemente à cata de manifestações divinas, interpretando nesse sentido os fatos mais corriqueiros. São sôfregos de cataclismas. Uma inundação no Paquistão é, para eles, um novo dilúvio, ou ao menos, sua primeira chuva precursora.
Um terremoto na Califórnia é o fim dos tempos que chega.
Alguns, mais modernizados, esperam o dilúvio atômico, e, para evitá-lo, organizam refúgios nas Montanhas Rochosas ou ilhas de Utopia na selva de Mato Grosso. Ao primeiro sinal do céu ou do "profeta" eles partirão para esse local de refúgio. Será um grande êxodo.
ELIAS
Nos ambientes sectários se explora muito o papel misterioso que a Escritura atribui ao profeta Elias. É muito grande o número de seitas que aguardavam o advento do profeta Elias para destruir o Anticristo e instaurar um reino milenarista.
"O que os exegetas jansenistas procuram na Escritura são inicialmente e, sobretudo os sinais do fim dos tempos, o anúncio da vitória final daqueles que eles consideram a verdade. É naturalmente ao Apocalipse que eles pedem a confirmação essencial de seus pontos de vista. Seus comentários do apocalipse são em geral tão ousados sob esse aspecto que os melhores entre eles não puderam ser publicados no século XVIII. (…) Outros esperavam para um futuro bem próximo o retorno do profeta Elias, e vários acreditaram encontrá-lo reencarnado em certos "convulsionários". Entre vários deles reaparece mesmo a velha ideia do milênio, do reino temporal de Cristo na terra durante mil anos" (Louis COGNET Le jansenisme, P.U.F., Que ais – Nº 960, Paris, 1961, p. 118).
Os fraticelli sequazes do heresiarca Fra Dolcino acreditavam que o advento do Anticristo era iminente, e que, quando tal se desse "Dolcino e seus seguidores seriam removidos para o Paraíso enquanto Elias e Enoch desceriam para combater" (MAJORIE REEVES, The Influence of Prophecy in the Later Middle Ages, Oxford at Clarendon Press, 1969, p. 246).
Como se sabe, a influência das doutrinas joaquimitas foi muito grande entre os movimentos heréticos no final da Idade Média. Muitos esperavam então o advento do Anticristo e de Elias.
Outros pretendiam vir a ser os seguidores de Elias, quando ele chegasse. Citava-se a "profecia" joaquimita do aparecimento de uma nova ordem religiosa "que propagaria e defenderia a fé até os confins do mundo no espírito de Elias" (M. REEVES, op. cit., p. 257).
No século XIX, Pierre-Eugene-Michel Vintras profetizou a chegada do Terceiro Reino, o advento do Paráclito e de Cristo glorioso. Vintras se dizia Elias. Acreditava que ele e seus discípulos tinham a missão de revigorar o cristianismo decadente. Anunciava "a proximidade de espantosas catástrofes pelas quais a terra ia sofrer o rigor de um julgamento precursor do juízo final e a futura conversão que devia fazer pressentir a aparição de Elias, ou de um outro que teria o seu espírito e poder (PIERRE LAMBERT, Heresias Éliaques, in Élie le Prophete au Carmel, dans le judaisme me et l’Islam, Les études carmélitaines, Désclée de Brouwer, Paris, 1956, 2o vol., p. 293-294 – O sublinhado é nosso).
Curioso é que o contínuo adiamento do castigo apocalíptico não é suficiente para abrir os olhos dos sectários para a fraude com que são enganados. Ainda há poucos anos, as Testemunhas de Jeová proclamaram a todos os ventos que o fim do mundo viria em 1975. Não veio. Foi adiada para data próxima, mas … indefinida…
Os judeus da seita de Sabbatai Tzevi esperavam que ele instaurasse o Reino messiânico em 1648, quando de sua entrevista com o sultão em Constantinopla. Na data marcada Sabbatai renegou o judaísmo e se fez muçulmano. Nem por "tão pouco" a seita se desfez (Cfr. G.G. SCHOLEM, Sabbatai Tzevi, The Mystical Messiah).
O estudo elaborado pelo Vaticano registra o fato de que as seitas "prometem o início de uma nova era, de uma época nova" (Osservatore Romano, estudo cit. 29-VI-86, p. 318). Hoje ainda, em meio à imensa crise em que o mundo se debate, e que caminha evidentemente para um desenlace trágico, as seitas exploram o temor do futuro, prometendo, após uma crise terrível o advento de uma era de felicidade, para a qual – creem alguns – não faltará a cooperação de seres extraterrenos, vindos com os discos voadores. A imaginação humana é fértil…
O REINO… PROGRESSISTA
Não se pense que esse clima milenarista seja próprio apenas de seitas com tendências místicas. Os progressistas não escapam dos efeitos do clima atual de crise.
Os teólogos da libertação repetem os mesmos erros dos fraticelli quanto à propriedade e o futuro Reino do Amor que, eles também aguardam, será socialista (Clodovis Boff, Da libertação, p. 96), igualitário e sem classes (idem, p. 81-82). Será um reino ecumênico e não católico. É para esse reino que "Marx escreveu uma página do Evangelho" (Frei L. BOFF, "Pelos pobres, contra a pobreza", Conferência em Teófilo Otoni, editada por Dom Quirino SCHMITZ, 1983, p. 43).
"As seitas e movimentos milenaristas apresentam sempre a salvação com as seguintes características":
a. coletiva, na medida em que deverá ser gozada pelos fiéis enquanto coletividade;
b. terrena, na medida em que deverá ser realizada neste mundo e não em algum céu de outro mundo;
c. iminente, na medida em que será súbita e para breve;
d. total, na medida em que deverá transformar completamente a vida na terra, de forma que o novo estado de coisa não será apenas um aperfeiçoamento do que existe mas a própria perfeição;
e. miraculosa, na medida em que deverá ser realizada por, ou com a ajuda de, agentes sobrenaturais."(NORMAN COHN, op. cit., p. 11)
ALICIAMENTO
Quando se analisam as seitas, verifica-se que seus membros apresentam certas coincidências de origem. Norman Cohn, ao estudar as causas da grande expansão das seitas no final da Idade
Média, verificou que não era a miséria ou condições econômicas adversas que estavam na raiz do problema. Pelo contrário, ele constatou que as seitas se expandiram em épocas de florescimento econômico.
A invenção de novas técnicas de tecelagem, por exemplo, ao provocar um grande desenvolvimento industrial e o crescimento das cidades, levou ao surgimento de seitas milenaristas. A possibilidade de enriquecimento mais rápido atraía para a cidade um grande número de pessoas do campo. Elas não apenas mudavam de local, mas passavam a ter um modo de vida completamente diverso.
Deixavam suas famílias, seus feudos, seu ambiente natural, para irem viver isoladas nas novas cidades que nasciam e cresciam como cogumelos.
No campo, tais pessoas tinham tido uma vida profundamente estável e rotineira. Seu trabalho era sempre o mesmo, fundado no ciclo das estações que determinava a época do plantio e da colheita.
A família era de caráter patriarcal, observando sempre os mesmo costumes e dando grande proteção aos seus elementos. O feudo garantia sua defesa. Nele o direito era consuetudinário e quase não variava. Os impostos e obrigações eram fixados pelos costumes e pouco mudavam.
Proteção, estabilidade, imutabilidade, rotina, eram as notas características da vida e do trabalho dos servos.
Atraídos pelo surto econômico industrial, muitos camponeses acorriam às novas cidades, onde tinham que enfrentar condições totalmente contrárias às que estavam habituados. Na cidade, as leis eram diferentes e novas. Os impostos podiam variar Os aluguéis sofriam mudanças mais rápidas. O tipo de atividade era mais arriscado, podendo celeremente enriquecer uma família ou lançá-la à miséria, dependendo da situação do mercado. Nem a família patriarcal, nem o feudo existiam lá, dando proteção e segurança a seus membros. As pessoas que mudavam do campo para a cidade deixavam seus antigos grupos sociais e econômicos, passando a viver inicialmente pelo menos, sem estruturas. Tais desestruturados buscavam lançar raízes o quanto antes, agarrando-se fortemente a qualquer grupo social que os acolhesse, dando-lhes aconchego e uma nova estrutura a que se integrassem.
Ora, as seitas ofereciam a esses desestruturados, carentes de relacionamento social, necessitados de apoio e proteção, um ambiente acolhedor, uma solidariedade fraterna, uma possibilidade de integração num todo maior em que o eu de cada indivíduo, enfraquecido pela perda de estruturas antigas, se dissolvia num nós mais poderoso e protetor.. Essa integração do indivíduo desestruturado num grupo maior era mais fácil quando, à perda de estrutura, se acrescera a ruína econômica.
Nessas situações, esses desarraigados ansiavam por sair de suas necessidades e angústias, sonhando com o advento próximo da felicidade. E o sonho era proporcional à decepção em que haviam caído. Eles viam o mundo de modo completamente negativo e sonhavam com uma transformação que o tornaria róseo.
Ora, as seitas vinham satisfazer completamente essas almas, pois pintavam o mundo atual como demoníaco e prometiam para breve, após uma crise apocalíptica, o surgimento do Reino de Deus.
Não é exatamente isso que ocorre hoje com tantos migrantes, deslocados e desestruturados nas grandes metrópoles do Sul, abandonados a um anonimato angustiante? Não é exatamente entre esses deslocados que as seitas pentecostais e milenaristas recrutam com facilidade seus membros?
As seitas procuram arrebanhar novos elementos somente "entre gente poeira, de famílias poeira", porque "as famílias bem estruturadas defendem seus elementos", enquanto dos desestruturados é mais fácil arrebatar um filho, levando-o a abandonar sua casa, a viver nos ambientes sectários, dedicando-se "full time" ao trabalho sectário e esperando sua recompensa no Reino que o "profeta" promete sempre para depois de amanhã.
De fato, muitos jovens sectários são filhos de famílias destruídas pelo desquite, pela desunião, pela desestruturação social e até pela frieza dos relacionamentos familiares.
DO ANONIMATO À ELEIÇÃO
O documento-estudo elaborado pelo Vaticano a respeito das seitas concorda com essa análise. Vejam-se as seguintes passagens, que apresentam os motivos da expansão dos movimentos sectários:
"A estrutura de muitas comunidades foi destruída; os tradicionais modos de vida, desagregados; os lares, desunidos; os homens sentem-se desarraigados e sozinhos. Daí uma necessidade de proteção" (Doc. cit., nº 2.2.1)
"A crise das estruturas sociais tradicionais, dos modelos culturais e dos conjuntos tradicionais de valores – causada pela industrialização, a urbanização, o rápido desenvolvimento dos sistemas de comunicação, os sistemas tecnocráticos completamente racionais, etc. – deixa muitos indivíduos desorientados, desarraigados, inseguros e, portanto, vulneráveis" (Doc. citado, nº 3).
As sociedades modernas nascidas da Revolução Francesa consideram todos os homens iguais. Recusam-se a reconhecer a personalidade e individualidade de cada um e lançam a todos num anonimato de fichário. Cada pessoa é apenas um número. Toda desigualdade é tida como anormalidade. Evidentemente cada pessoa então, ou se sente injustiçada pelo não reconhecimento de suas qualidades, ou se julga anormal por não se encaixar no fichário dos iguais. De qualquer modo, não se enquadra. Isola-se.
No próprio seio da família, cada um vive isolado. Não há mais motivações comuns unindo os seus membros, pois o divórcio, o controle da natalidade levam os cônjuges a buscar apenas vantagens egoístas. O preconceito contra os mais velhos minou a autoridade dos pais e isolou os filhos, que marginalizados e incompreendidos em meio aos aparelhos eletrônicos do lar burguês, ou na miséria dos barracos, buscam agregar-se a uma "gang", a um grupo sectário onde têm apelido característico pessoal, onde têm alguma raiz, onde acham um ambiente que os receba enquanto pessoas.
A agregação torna-se ainda mais fácil pelo fato de que a seita se apresenta como grupo de eleitos por Deus. Do anonimato se é transferido para a eleição. Isto gera em todo elemento uma ideia de sua própria superioridade. Os membros da seita são os eleitos que têm o direito de desprezar, de condenar e que sonham eliminar, às vezes até fisicamente, os precitos que não aderem às suas crenças, ou que lhes fazem oposição. Tal eliminação física das pessoas mundanas se dará na crise apocalíptica que precederá a instauração do Reino e será feita por Deus através de cataclismas, por intervenção dos anjos, mesmo pelos membros da seita que atuarão como instrumento de cólera e da vingança divina. A crise apocalíptica destruirá toda a ordem jurídica e o "profeta" terá então todo o poder e sua vontade será lei.
Ódio e desprezo particulares e mais profundos do que para os mundanos são reservados pelos sectários aos "traidores" da seita, aos "apóstatas" que, tendo um dia compreendido a "missão do grupo" na História, o abandonaram depois e até passaram a combatê-lo. Para eles se reservam maldições e excomunhões muito especiais.
Aos que abandonaram o grupo sectário, mas que por escrúpulos continuam a dar alguma colaboração, por exemplo, financeira, trata-se com cortesia calculada, mas nem por isso são eles perdoados. "O dinheiro deles – argentum eorum – não lhes dará a salvação. Continuam apóstatas e são precitos".
O estudo do Vaticano confirma esta causa do sectarismo ao assinalar que "as pessoas têm necessidade de sair do anonimato, de construir uma identidade, de sentir que são particulares e não apenas um número ou um membro anônimo de uma multidão (…) As seitas parecem oferecer (…) a oportunidade de fazer parte de um grupo seleto" (Doc. citado, nº 21.5). (as pessoas) "sentem-se frustradas, sem base, sem lar, sem proteção, sem recursos e desesperadas, e, por conseguinte, sem motivação, abandonados na família, na escola, no trabalho, na universidade, na cidade; perdidos no anonimato, na solidão, na marginalização, na alienação, elas se dão conta de que não pertencem a nada, sentem-se incompreendidas, traídas, oprimidas, desiludidas, alienadas, sem importância, não escutadas, rejeitadas, não consideradas seriamente" (Doc. Citado nº 3).
Uma consequência dessa ideia da seita como Igreja dos Eleitos é a colocação do sectário acima da lei comum, seja essa lei moral ou os padrões comuns de comportamento. Para o sectário, o "bem da causa" permite tudo. O fim justifica os meios. É evidente que essa liberdade moral auto-outorgada é um forte fator de aliciamento para todos os que só encontram entraves e obstáculos na sociedade em que vivem. Já vimos que certos beguinhos julgavam que podiam roubar porque no Reino de Deus não haveria mais propriedade e por antecipação eles já estariam dispensados de respeitar a propriedade alheia.
DONOS DA VERDADE
Entre os católicos, hoje, há uma completa desorientação doutrinária. Minados pelo liberalismo, que não admite a existência de uma verdade objetiva, os católicos foram empurrados aos abismos do subjetivismo.
O próprio documento do Vaticano sobre as seitas reconhece que o rebanho "não tem diretriz", que "falta orientação" e que os católicos "não encontram dentro de Igreja satisfação de suas necessidades e aspirações" (Doc. Cit. nº 1.5).
É a esse povo desorientado que as seitas oferecem respostas simplificadoras e fáceis. A convicção com que postulam suas ideias – mesmo as mais absurdas – aparece aos olhos dos inseguros como um fator de defesa e de segurança doutrinária.
Em terra de subjetivistas, quem aparenta ter uma certeza objetiva, aparece como dono de toda a verdade. Daí o tom de superioridade doutrinária arrogante e insolente que o sectário assume ao falar de temas que ignora quase completamente. Daí se julgar dispensado de estudar. Daí seu preconceito contra todo estudo científico. Ele dispensa a ciência. O céu o ilumina. Deus lhe fala pela boca de seu profeta. Ele ignora e acha dispensável o estudo da História porque crê fazer a História, como instrumento da providência.
Em consequência dessas posições, o aliciamento sectário recorre mais ao entusiasmo que à razão. Ele visa a fanatizar e não a convencer.
Cristo disse aos apóstolos: "Ide e ensinai a todos os povos…" A propagação da fé se faz através do ensinamento de verdades reveladas, falando à inteligência, para mover as vontades, os corações.
Por isso, desde o princípio, os apóstolos ensinaram com argumentos (Cfr. Atos dos Apóstolos e as Epístolas de São Paulo).
O entusiasmo, quando existe, é sempre fruto de pregação doutrinária. A adesão à fé é um ato fundamentalmente racional.
A propaganda sectária, pelo contrário, explora sempre as paixões – o entusiasmo, o ressentimento, o ódio – para obter daí uma adesão de vontade. Utiliza-se, via de regra, os processos hoje chamados de "lavagem cerebral".
Consequentemente, a adesão do sectário a seu grupo religioso tem sempre um caráter passional e não racional. A defesa que faz de sua crença é sempre apaixonada. Ele procura justificá-la mais com base no que ela combate do que no que ela ensina. Além disso, como a doutrina da seita é sempre contraditória, seus membros são constrangidos a não discutir os pontos de contradição, mas a fazer uma apologética global, defendendo sistema sectário em bloco, evitando teimosamente discutir os pontos e que é refutado ou em que se evidenciam as contradições.
É essa fuga da discussão das posições contraditórias da seita pela apologia global do sistema que caracteriza a técnica escorregadia e teimosa utilizada pelos sectários em suas discussões. Não há meio de convencê-los, porque eles não "ouvem" as objeções que põem em claro suas contradições. Logo, eles a cobrem com a sua "lógica globalizante" e recusam prestar atenção à objeção particular, pois consideram que fazer isso é trair a Deus e a sua causa.
TÉCNICAS
O Documento do Vaticano enumera algumas técnicas de aliciamento sectário que convém citar e comentar:
1. GRADUAÇÃO – Processo gradual de iniciação no pensamento da seita
Muitas vezes, a seita oculta completamente, dos elementos que convoca, o seu pensamento.
Chega mesmo a defender o oposto do que pensa, para captar a confiança do aliciado (Cfr. doc. cit. nº 2.2). Não se recua diante da restrição mental e até da mentira para conquistar um novo adepto.
A seita dos assassinos ismaelistas, fanáticos muçulmanos xiitas, tinha como último segredo que nada era verdadeiro, e que tudo era permitido. O ateísmo, o amoralismo se ocultava por trás da fé fanática no Corão e no seu Profeta (Cfr. J. BOLLE, Les séductions du communisme – De la Bible à nos jours). É por isso que normalmente as seitas se tornam esotéricas.
2. ISOLAMENTO – Isolamento e lavagem cerebral
Os sectários procuram separar os seus novos elementos do meio em que vivem. Tiram-nos do seio de suas famílias. Impedem que frequentem escolas. Levam-nos a trabalhar nos ambientes da seita ou para a seita. Proíbem que estudem, que leiam, que se informem, para que percam qualquer referencial, qualquer ponto de orientação fora da seita. Ao mesmo tempo, bombardeiam os aliciados com uma "doutrinação" maciça. Entre aspas porque se trata menos de uma exposição de princípio que de uma exploração das carências e esperanças do aliciado.
3. CULPA – Criação de complexo de culpa
Procuram-se também explorar complexos de culpa do aliciado insistindo sobre seu "antigo comportamento" desviado, "como o uso da droga, os erros em matéria sexual" (Cfr. doc. cit. nº 2.2), mostrando que só na seita ele conseguirá se manter no bom caminho. Para ele, fora da seita não há salvação. Sair da seita será para ele o pecado supremo.
4. ATIVISMO E MISTICISMO – Ativismo e Misticismo (cfr. 2.2)
Aos aliciados de tendência ativa, a seita procura manter em constante trabalho burocrático, manual ou de "apostolado" de casa em casa, de pessoa em pessoa, ocupando-os continuamente para impedir que pensem. Nunca se os deixa a sós. Mantêm-se esses elementos em exaltação contínua, fazendo-os crer que de sua ação depende a instauração do Reino.
Os aliciados de tendência místicas são mantidos em isolamento, em "oração contínua", sob a orientação de um sectário mais experiente que controla o falso místico, que se dirige rapidamente para a loucura.
5. LAVAGEM CEREBRAL
Alternância de trabalhos e atividades exaustivas ou de castigos físicos, com longas reuniões e pomposas cerimônias, levam o indivíduo a reagir de acordo com o grupo. Sessões em que se multiplicam os aplausos, as exclamações e slogans, vituperando a tibieza e exaltando a dedicação, vão alterando a consciência do aliciado.
Muitas vezes se fazem exercícios de autocrítica ou paródias de capítulos de culpa, onde todos têm o direito de apontar os defeitos ou culpas do aliciados que recebe então punições. Outras vezes dão-se ordens absolutamente contraditórias, visando a quebrar o processo lógico do aliciado.
6. MODO DE SER – Imposição de um modo de ser
"As seitas impõem com frequência as suas próprias maneiras de pensar, de sentir e de se comportar, em nítido contraste com o método da Igreja, que requer pleno conhecimento e consenso responsável" (2.2).
De fato, muitas seitas impõem trajes particulares, maneiras de agir exóticas, modos de caminhar, de pentear, de rir, de falar, de rezar, que distinguem seu adepto da maioria dos fiéis, que o separam do povo e fazem dele literalmente um separado, um sectário. Desse modo, o comportamento do sectário tem algo de autômato. Sente-se que ele é teleguiado em suas respostas, em suas atitudes e até em seus movimentos.
7. LÍDER – Importância atribuída ao líder
"Alguns grupos chegam até a diminuir (no caso das seitas "cristãs") o papel do Cristo em proveito da pessoa do fundador" (2.2).
A adesão a um homem substitui a adesão à Igreja. Tal substituição se faz paulatinamente apresentado-se o "profeta" ou líder carismático como protótipo do homem religioso, como a encarnação da Igreja e, finalmente, como superior e preferível a ela.
É por isto que toda seita tem, em sua raiz, uma figura humana, enquanto a verdadeira Fé só pode ter Deus em sua origem primeira.
CONCLUSÃO
Quando se contempla o quadro tão doloroso de decadência da Igreja no século XX, com a perda de tantas almas envolvidas pelas insídias da heresia sob o olhar, mais do que complacente, cúmplice – é o termo adequado – dos pastores que deviam guiá-las, é difícil não pensar na Grande Apostasia predecessora do Anticristo, de que fala o Apocalipse. Não caiamos, porém no erro comum dos sectários de ver o Apocalipse se realizando a cada passo da História. Só Deus é quem sabe quando será a hora da grande tentação. Em todo caso, o século XX registra – segundo muitas autoridades – a pior crise de toda a História da Igreja.
Temos, porém a promessa de Nossa Senhora em Fátima de que, por fim, Ela e a Santa Igreja triunfarão. Mais ainda temos a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo de que as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja de Deus.
Como se parecem as heresias! Como são parecidos os hereges!
Lendo a obra "O mundo de ponta-cabeça", na qual o historiador marxista Christopher Hill descreve as seitas protestantes da Inglaterra do século XVII, tem-se a impressão de que ele está falando dos movimentos e seitas progressistas nascidas do Vaticano II ou dos delírios e absurdos defendidos pelo super moderno século XX.
O livre exame da Bíblia, pregado por Lutero contra o Papado, desencadeou uma avalanche de interpretações que fragmentaram o protestantismo em mil grupos diversos, cada um dos quais dizendo-se a igreja dos eleitos.
Diante dessa confusão doutrinária, duas atitudes eram possíveis. Uma postura intransigente de uma seita contra todas as outras, o que contradizia o princípio fundamental da Reforma, ou uma defesa da tolerância completa, que levava a longo termo o ceticismo.
"A tolerância religiosa é o pior de todos os males, pensava Thomas Edwards em 1646. Começará trazendo o ceticismo em matéria doutrinária e a falta de vergonha na conduta da vida, para depois chegar ao ateísmo. Se for adotada a tolerância, nem toda a pregação do mundo, impedirá a propagação das heresias" (Christopher Hill – op. cit., p. 109).
O princípio, ainda que enunciado por um sectário, nem por isso é menos exato. Estamos em posição de compreendê-lo bem, tendo sob os olhos o que vem acontecendo desde que o Concílio Vaticano II pregou a liberdade de consciência e o ecumenismo. Multiplicaram-se as seitas, cresceram às apostasias, os vícios inundaram a Terra. A fé foi substituída pelo sectarismo e, afinal, pelo ceticismo.
Com efeito, o ceticismo é o termo lógico da negação da existência de uma só religião verdadeira.
Essa marcha da fanática adesão a um princípio falso – o livre exame – até o ceticismo, se verificou também com relação à Bíblia.
De fato, a Reforma proclamou a Bíblia como a única fonte de revelação, mas deixou a todo fiel o direito de interpretá-la como quisesse. Como resultado, passou-se rapidamente de uma bibliolatria à negação da Bíblia, chegando-se a chamá-la de livro contraditório, responsável por todos os males religiosos, políticos e sociais do mundo.
"Os protestantes haviam pensado que tudo seria harmônico entre eles. Desde que se afastassem das tradições da Igreja em favor do texto da Bíblia; porém, junto ao clero reformado a Bíblia agrava, em vez de atenuar, os conflitos. ‘Mentes tenebrosas que mergulham nas Escrituras delas extraem mentiras suficientes para incendiar países inteiros’" (p. 259).
"Dizia-se então que, segundo os ranters, a Bíblia ‘foi causa de toda a nossa miséria e de nossas divisões… de todo o sangue que foi derramado no mundo" (…) "’Nunca haverá paz’, entendiam alguns ranters, "enquanto não forem queimadas todas as Bíblias’ (…) ‘A Bíblia era a peste da Inglaterra’" (255).
É claro que a marcha para o ceticismo foi acompanhada pela queda nos piores vícios. Aqueles que se julgavam os eleitos e predestinados ao céu, acreditavam que haviam sido reconduzidos ao estado de inocência de Adão antes da queda. Para eles nada era pecado e nada poderia fazer com que perdessem o céu a que Deus os predestinara.
Os quakers aboliram, a cerimônia sacramental do matrimônio, substituindo-a por uma simples comunicação à congregação (cfr. p. 299). Outros puseram em vigor o casamento temporário (p. 301). "John Robins deu aos seus discípulos permissão para que trocassem de mulheres e maridos – e, ‘para dar um exemplo’, trocou a sua" (idem).
"John Hall defendeu a causa do nudismo feminino, não (como se dizia que entendiam os adamitas) como um símbolo de uma inocência recuperada, porém porque a nudez seria menos provocante do que as roupas que as mulheres trajavam" (p. 301). Ao mesmo tempo, porém, havia quem declarasse que as mulheres não têm alma. Elas seriam como os gansos" (cfr. 301).
Para Abiezer Coppe, "o adultério, a fornicação e a impureza não constituem pecado", e "ter mulheres em comum é coisa legítima". Lawrence Clarkson defendeu a mais completa liberdade sexual. Segundo ele, até o adultério seria puro para os puros (cfr. p. 302). Esse pregador protestante radical chegou aos extremos do antinomismo. O único meio de libertar-se do pecado seria cometê-lo. A consciência é que criaria o pecado. A redenção estaria em sua abolição. Segundo ele, "para o autêntico puro ‘o Demônio é Deus; o inferno, céu; o pecado, santidade; a condenação, salvação: isso, e apenas isso, é a primeira ressurreição" (p. 324).
Se as doutrinas da predestinação aliadas ao livre exame produziram a corrupção dos que se julgavam eleitos, no outro extremo, entre os que eram atormentados pelo temor de estarem predestinados ao inferno, as consequências também eram péssimas. Desesperados da Salvação, ou se abandonavam a todos os vícios ou se matavam.
Com razão comenta Hill que "a abolição do purgatório, efetuada pela Reforma protestante, com efeito, deixava uma eternidade de beatitude ou de tormentos como a única alternativa para cada indivíduo" (p. 175). "A predestinação, concedia Helwys, em 1611, faz com que alguns se desesperem, pensando que para eles não há graça e que Deus decretou a sua destruição. E deixa outros completamente despreocupados, sustentando esses que, se Deus decretou que serão salvos, hão de sê-lo, e, se decretou que serão condenados, também o serão" (p. 176).
Do ponto de vista político, a Reforma começou por revoltar-se contra o Papado, atribuindo todo poder aos reis e fomentando, assim, o absolutismo monárquico. Calvino levou o igualitarismo religioso e político mais além. Não aceitava bispos nem reis. Defendia a república. Por sua vez, as seitas puritanas radicais, que não admitiam sequer presbíteros, recusavam-se a aceitar a propriedade particular e preconizavam a adoção do comunismo de bens e de mulheres. Com razão dizia Jaime I que o lema desses sectários era "no Bishops, no King, no Nobility". E poderia acrescentar: "no owners, no property".
O igualitarismo dos sectários radicais exigia que até nas fórmulas de tratamento se combatesse a desigualdade. Todos deviam ser tratados apenas por tu, nunca por Mister. Logo se percebeu que "esses que hoje introduzem o Tu e o Ti acabarão (se puderem) expulsando o Meu e o Teu, dissolvendo em confusão toda a propriedade" (Fuller, Church History, apud Hill, p. 254).
Com efeito, embora os puritanos radicais do século XVII inglês não contassem com as "luzes" de D. Aloísio Lorscheider, nem pudessem ser "conscientizados" pela Teologia da Libertação, eles já diziam que "é do Senhor a terra e tudo o que ela produz. Ele a deu aos filhos dos homens, em geral, e não a uns poucos arrogantes que dela se valem para dominar seus irmãos" (p. 239). Como Boff, um herege puritano, Burrough, denunciava toda "Dominação é tirania e opressão terrenas… mediante as quais algumas criaturas foram exaltadas e elevadas acima das outras, calcando a seus pés e desprezando os pobres" (239-240). E outro agitador puritano afirmava que "os pobres são aqueles em que está a benção, pois são os primeiros a acolher o Evangelho" (p. 54). "Para Winstanley", como hoje para a Teologia da Libertação, "o ‘verbo da justiça’, o ‘Evangelho’ significavam o comunismo e a subversão da ordem social vigente" (p. 54).
"Em 1657, Roger Crab alegou que amar o próximo como a si mesmo era incompatível com a acumulação de propriedades: ‘todas as nossas propriedades não passam de fruto da maldição divina’". (p. 320).
Em muitos outros pontos as seitas protestantes radicais, que chegaram à defesa do comunismo e do antinomismo, se assemelham ao que vemos ocorrer hoje em dia.
Tais semelhanças são frutos da adoção dos princípios igualitários, que conduziriam a Cristandade do feudalismo ao bolchevismo.
Muitos viram, ainda no séc. XVII, aonde chegariam os desvarios sectários. Thomas Case disse, em maio de 1647 na Câmara dos Comuns, que, se fosse dada liberdade aos sectários, "eles em pouco tempo virão também a saber que têm por nascença um direito a se libertarem do poder dos Parlamentares e reis, bem como a tomarem armas contra ambos, quando estes não votarem ou agirem de acordo com os seus humores. Isso que eles chamam, falsamente, de liberdade de consciência pode rápido converter-se em liberdade de terras, em liberdade de casas, em liberdade de esposas" (p. 112).
Falava então Case para a Câmara dos Comuns. Teria que mudar suas palavras se falasse ao Vaticano II ou à CNBB?
Orlando Fedeli
(Site Montort)