“Summorum Pontificum” está em risco?
O prestigioso blog italiano Messa in latino publicou, anteontem, uma notícia inquietante, segundo a qual o Papa Francisco teria dito aos bispos da Conferência Episcopal Italiana que estaria por ao menos restringir o Motu Proprio Summorum Pontificum, de Bento XVI. A notícia foi rapidamente replicada pelo respeitado blog Rorate coeli e daí rapidamente chegou ao Brasil.
Obviamente, a possibilidade de que essa previsível desventura aconteça deixa apreensivos os católicos que se beneficiam da liturgia tradicional, muitos dos quais têm sofrido já gravemente com o desacato dos bispos às disposições da Santa Sé que dão aos fieis o direito de ter a Missa de Sempre.
Contudo, é preciso dizer que o próprio Messa in latino deixa claro que chegaram apenas “notícias ainda fragmentárias” e que “parece que o Papa teria anunciado uma reforma para pior do texto do Motu Proprio Summorum Pontificum”. Esses conjuntivos são importantes sobretudo para que se não antecipe nenhuma medida restritiva, visto que a Missa tradicional é uma grande pedra de tropeço no caminho dos modernistas, a qual eles estão ansiosos por remover. Hoje, chega-nos a informação, por meio do movimento francês Paix Liturgique, de que a medida só não foi ainda promulgada por obstrução da Congregação para a Doutrina da Fé, “que sustenta que ela provocaria desordem e oposições incontroláveis em todo o mundo”. Há notícias que já dão conta de grupos franceses se organizando para protestar em Roma, caso, de fato, Francisco vá adiante.
É óbvio que, embora o que vazou forneça maiores detalhes, o ato seria coerente tanto com o trabalho de desmonte da Tradição protagonizado pelo Papa reinante em seu ministério geral, quanto com o específico esfacelamento da Comissão Ecclesia Dei, supressa por Francisco e reduzida a uma Seção da Congregação para a Doutrina da Fé, entregando-se todos os institutos que dela dependiam diretamente à Congregação para os Religiosos, sob a chefia do Cardeal Braz de Aviz.
Na prática, esse estratagema foi utilíssimo para o boicote à Missa Tradicional, pois os fieis simplesmente deixaram de ter a quem suplicar quando o assunto é a garantia dos direitos explicitados no Motu Proprio Summorum Pontificum. Agora, a restrição das suas disposições seria uma consequência natural de toda essa sabotagem.
A questão, porém, é se Francisco daria tal passo com Bento XVI ainda vivo (pressupondo que existisse por parte dele uma real consideração para com a pessoa do Papa alemão) e, sobretudo, se ele está disposto a enfrentar a fúria dos fieis lesados, especialmente nos Estados Unidos, onde a Missa Tradicional prospera dia após dia e de onde o apelo dos donativos é bastante persuasivo.
No cálculo de ganhos e perdas, compensará para Francisco dar esse golpe, justamente quando ele lança a ideia da sinodalidade? De nossa parte, nunca subestimamos a obstinação do papa argentino e a sua decidida oposição a tudo aquilo que seja realmente católico e tradicional.
No entanto, vale lembrar que Bento XVI, em Summorum Pontificum, não se limitou a tratar de aspectos disciplinares, concedendo, sob determinadas condições, a todos os sacerdotes a faculdade de celebrar segundo a chamada forma extraordinária do Rito Romano, mas estabeleceu com todas as letras, em linha de princípio, que “é lícito celebrar o Sacrifício da Missa segundo a edição típica do Missal Romano, promulgada pelo Beato João XXIII em 1962 e nunca ab-rogada”.
Em outras palavras, o Papa Ratzinger estava garantindo aquilo já previsto pela bula Quo primum tempore, de São Pio V: mesmo que surgisse alguém que quisesse restringir a celebração da dita forma extraordinária, tal medida seria sempre inválida na raiz, visto que a Missa Tradicional é um rito oficial da Igreja Católica e que jamais foi derrogado validamente por nenhuma disposição anterior — e, ademais, não o poderia ser posteriormente, dado que, “aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial”, conforme ele mesmo tentou explicar aos bispos.
As eventuais medidas de restrição que poderiam ser tomadas por Francisco, na verdade, não teriam nenhum valor e os padres que quisessem poderiam continuar tranquilamente celebrando a Missa de Sempre. Portanto, a manutenção da Fé ortodoxa e da liturgia católica, nesses casos, exigiria mais virtude e mais coragem da parte do pequeno resto do clero que se quisesse manter fiel à Tradição, o que significa que isso atrairia mais graças para eles mesmos e para os fieis, mesmo que salgados pelo peso da perseguição.
Se os bons padres estarão dispostos a chegar a isso nós não sabemos. Contudo, tais medidas deixariam mais clara, como se fosse necessário, a ruptura de Francisco com a parte sadia da Igreja e tornariam ainda mais insustentável a narrativa concordista.
Diante do cisma herético alemão, é bem provável que os inimigos da Igreja cheguem a este ponto para provocarem a parte ortodoxa a fim de forçarem uma espécie de “cisma” à direita, graças às medidas persecutórias que se tomariam contra aqueles que quisessem conservar intacto o direito de celebrar na forma tradicional.
Trata-se da reedição do “empurremo-lo ao cisma“, estratégia dos primeiros anos de pós-concílio confessada por um bispo progressista quando se referia a Dom Marcel Lefebvre. A diferença, hoje, é que à época só havia Dom Lefebvre, Dom Antonio de Castro Mayer e alguns poucos leigos; agora, contra toda a expectativa dos moribundos amantes do Vaticano II, há um exército de jovens leigos e padres que brotam feito água de fontes ocultas em cada diocese.
Em caso de um “empurrão ao cisma”, caberia a esses Católicos a fortaleza de resistir sem cair na armadilha colocada pelo adversário de uma ruptura institucional, ruptura que a parte heterodoxa institucionalmente não admite para si em hipótese alguma, apesar de todas as suas heresias (vide o caso já citado da Igreja alemã; seria tão fácil pegar as malas e partirem para a igreja protestante, não?) para as quais podem contar com a complacência do papa argentino, que justamente apertou o acelerador para que se chegasse nesse ponto. A não ruptura da parte heterodoxa, porém, é tão somente uma impostura institucional, pois, sem a verdadeira Fé, mesmo que se mantenham na estrutura, já não mais pertencem à Igreja.
(Por Fratres in Unum)