Vaticano libera acesso a cartas de judeus para Pio XII
O Vaticano liberou o acesso virtual aos arquivos das cartas enviadas por judeus de toda a Europa para pedir ajuda do então papa Pio XII (1939-1958) durante as perseguições promovidas pelo nazismo.
Os documentos estão disponíveis em uma página do site do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado do Vaticano, dentro de uma seção batizada de “Judeus”, e foram liberados por vontade do papa Francisco.
A medida dá sequência à abertura dos arquivos secretos relativos ao pontificado de Pio XII, em 2020, uma tentativa da Igreja de reforçar sua versão sobre o papel desempenhado por Eugenio Pacelli no Holocausto.
Pio XII é frequentemente acusado por críticos de ter se omitido perante os horrores do nazismo, especialmente por não ter condenado publicamente a matança de judeus na Segunda Guerra Mundial.
No entanto, o Vaticano alega que Pacelli promoveu uma diplomacia de bastidores para salvar o maior número possível de pessoas, inclusive abrigando judeus em igrejas e conventos na Itália.
De acordo com o secretário vaticano para Relações com Estados, Paul Richard Gallagher, a Santa Sé encarregou um diplomata de se ocupar dos pedidos de ajuda que chegavam a Pio XII de toda a Europa na Segunda Guerra.
“As solicitações podiam ser dirigidas a obter vistos ou passaportes, refúgio, para reencontrar um familiar, para libertação da cadeia, transferências de um campo de concentração para outro, notícias sobre uma pessoa deportada, fornecimento de alimentos ou roupas, apoio econômico, entre outros”, afirmou Gallagher ao jornal vaticano L’Osservatore Romano.
“Milhares de perseguidos por causa de sua religião judaica, ou por conta de uma mera ascendência ‘não ariana’, se voltavam ao Vaticano sabendo que outros tinham sido ajudados. Os pedidos chegavam na Santa Sé, que ativava canais diplomáticos para tentar fornecer toda a ajuda possível, levando em conta a complexidade da situação política em escala mundial”, acrescentou Gallagher.
Contudo, não é possível saber quantos foram de fato auxiliados pelo Vaticano. Em fevereiro passado, um historiador alemão que investiga os arquivos do pontificado de Pio XII, Michael Feldkamp, disse que o então papa salvou “pelo menos 15 mil judeus”.
“Eugenio Pacelli, ou seja, Pio XII, soube do Holocausto desde muito cedo. Em relação ao extermínio sistemático dos judeus da Europa, enviou uma mensagem ao presidente americano [Franklin] Roosevelt em março de 1942.
Essas mensagens não foram consideradas críveis pelos americanos”, afirmou Feldkamp.
Contudo, o próprio historiador admitiu que o “problema do silêncio” de Pio XII diante da matança “ainda está lá”, embora o alemão tenha feito a ressalva de que essa foi uma postura “razoável” de Pacelli para poder agir nos bastidores.
“Ele não poderia atrair atenção do público para si mesmo, organizando manifestações ou escrevendo notas de protesto, mas ele conduziu negociações com a embaixada alemã e as forças policiais italianas, até com [Benito] Mussolini”, apontou Feldkamp.